terça-feira, 16 de agosto de 2011

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE USUÁRIOS DE DROGAS É TEMA DE DEBATE NA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO




Câmara de São Paulo debate proposta da prefeitura de internação compulsória para viciados em drogas em situação de rua

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - A prefeitura de São Paulo planeja adotar uma medida para internar compulsoriamente (contra a vontade) os usuários de drogas que vivem na cidade, semelhantemente ao que já ocorre no Rio de Janeiro. A medida ainda está em fase de estudos, mas já vem causando polêmica. Na tarde de hoje (15), a Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Segurança Pública e Relações Internacionais da Câmara Municipal de São Paulo promoveu um debate com especialistas, movimentos sociais e cidadãos paulistanos para discutir a proposta que pode ser implantada na cidade como política de enfrentamento às drogas.

“Precisamos contribuir para resolver o problema de saúde desses dependentes químicos. Eles não têm casa, não têm família, estão numa situação dramática nas ruas e precisamos buscar uma solução, que não é recolhê-los por meio de corporações policiais e colocá-los num depósito de gente”, disse o vereador Jamil Murad, presidente da comissão.

Os debates duraram cerca de quatro horas e os discursos dos que são contrários à proposta ressaltaram que ela tem um caráter higienista e autoritário. “Sou totalmente contrário a isso. Trabalho há 24 anos com dependentes químicos e sabemos que 98% das pessoas que são internadas contra a vontade recaem [no vício] após a internação. Como meio de tratamento, é um método pouco eficaz”, disse Dartiu Xavier da Silveira, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), que atende gratuitamente cerca de 600 dependentes químicos por mês.

Segundo ele, há casos de exceção que precisam de internação compulsória, mas são exclusivamente de pacientes com problemas psiquiátricos.

Para Silveira, a ideia que está sendo cogitada pela prefeitura tem um grande equívoco, porque atribui a quem vive em situação de rua a condição de consumidor de drogas. “É o contrário. A droga é uma consequência disso. O que deve ser feito é um trabalho de resgate da cidadania, dar condições de vida minimamente decente a essas pessoas e, aí, o problema da droga vai se tornar em um problema secundário na maioria dos casos”, disse.

Luis Fernando Vidal, membro da Associação Juízes para a Democracia, acrescentou que a medida também fere um direito constitucional do usuário ou do viciado em drogas: o direito à autonomia. “Não se pode fazer o bem desrespeitando a vontade da pessoa”, declarou. Ele também contestou o argumento apresentado pelos defensores do projeto de que o direito à saúde é mais importante que o direito à autonomia. “Parece-me que este é um tipo de argumento que relativiza direitos fundamentais para dizer que nenhum deles deve valer. Mas esta técnica está errada. A Constituição diz que você tem direito à moradia. Mas, alguma vez, alguém do Poder Público apareceu querendo executar um programa de habitação compulsória?”.

A doutoranda em psicologia social pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), Juliana Graciani, manifestou-se contrária à proposta da prefeitura e disse que o trabalho de enfrentamento às drogas deve envolver também a formação e capacitação de profissionais que vão trabalhar com os dependentes. “O psicólogo, o assistente social e o enfermeiro não estão sendo capacitados de forma adequada para conhecer o marco legal, político e social dessa temática”.

O trabalho com os dependentes químicos, segundo Juliana Graciani, também deve envolver a conscientização. “Ninguém muda com uma arma na cabeça. Mudamos quando refletimos sobre nossa atitude e a repensamos”, disse.

O promotor Eduardo Ferreira Valério declarou que há cerca de 30 dias a prefeitura procurou o Ministério Público para abordar a questão da internação compulsória, querendo implantar na cidade um sistema semelhante ao que está ocorrendo no Rio de Janeiro. Segundo ele, a medida seria adotada tanto com crianças e adolescentes dependentes de drogas, como com adultos. “Esta questão foi discutida pelas promotorias envolvidas, mas o Ministério Público decidiu aguardar o projeto impresso e concreto para assumir uma posição: se somos contrários ou favoráveis àquilo que pretende a prefeitura”.

Valério ressaltou, no entanto, que o Ministério Público não considera a proposta inconstitucional, mas é contrário a qualquer iniciativa em que a internação seja o único meio a ser usado pela prefeitura no tratamento do viciado. “O Ministério Público não concordará com as internações compulsórias sem que haja um projeto completo - e que contemple um tratamento amplo, sobretudo ambulatorial, e que propicie um projeto de profissionalização, renda e moradia e que se refaçam os laços parentescos”.

Segundo Rosangela Elias, coordenadora técnica de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do município, é preciso entender a diferença entre as internações. “Tem a internação voluntária, a involuntária – que é quando o médico define que a pessoa necessita de internação, e a compulsória – que é aquela que é determinada por um mandado judicial, a partir de um laudo médico”, explicou.

De acordo com ela, todas as internações têm importância clínica e são um instrumento para que seja oferecido um tratamento de saúde aos pacientes. “Os resultados clínicos da internação voluntária são infinitamente maiores que a de outros tipos de internação. Mas temos que pensar na questão de proteção à vida e o resgate à saúde. Este é o olhar que temos que ter”, disse.

A coordenadora defendeu ainda que a internação não fere a legislação. “É só verificar a Lei 10.216, que trata da saúde mental. Esses três tipos de internação são preconizados dentro da legislação”.

Citando números, Rosangela Elias declarou que, nos últimos dois anos, quatro mil moradores de rua foram encaminhados para atendimento médico. Isso resultou em 1,7 mil internações, sendo que 111 delas foram involuntárias ou compulsórias. “A maior parte delas, de adolescentes. O que acontece, na maior parte das vezes, é que o adolescente procura ajuda. O médico avalia e o interna. A partir do primeiro dia, o adolescente ainda quer [o tratamento]. No segundo dia, vem a fissura, e ele não quer mais. Aí o médico atesta que ele precisa ficar mais algum tempo”, explicou.

Ao fim do debate, o vereador Jamil Murad disse que será criado um grupo de estudos para voltar a estudar a questão. A ideia é que seja elaborado um projeto de enfrentamento às drogas na cidade e que ele seja depois encaminhado para o Ministério da Saúde.

Edição: Aécio Amado

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