O vocabulerolero da velha mídia
![]()
Aqui algumas indicações sobre como ler a velha mídia. Nada do que é dito vale pelo seu valor de face. Tudo remete a um significado, cuja arte é tratar de camuflá-lo bem.
Por exemplo, quando dizem liberdade de imprensa, querem liberdade de empresa, das suas empresas, de dizerem, pelo poder da propriedade que tem, de dizer o que pensam.
A chave está em fazer passar o que pensam pelo interesse geral, pelas necessidades do país. Daí que nunca fazem o que deveriam fazer. Isto e’, dizer, por exemplo: “A família Frias acha que...” Ou: “A família Civita acha que...” e assim por diante.
A arte da manipulação reside em construções em que os sujeitos (eles) ficam ocultos. Usam formulas como: “É mister”, “Faz-se necessário”, “É fundamental”, “É’ indispensável”.
Sempre cabe a pergunta: Quem, cara pálida? Eles, os donos da empresa. Sempre tentar passar a ideia de que falam em nome do país, do Brasil, da comunidade, de todos, quando falam em nome deles. A definição mais precisa de ideologia: fazer passar interesses particulares pelos interesses gerais.
Quando dizem “fazer a lição de casa”, querem dizer, fazer duro ajuste fiscal. Quando falam de “populismo”, querem dizer governo que prioriza interesses populares. Quando falam de “demagogia”, se referem a discursos que desmascaram os interesses das elites, que tratam de ocultar.
Quando falam de “liberdade de expressão”, estão falando no direito deles, famílias proprietárias das empresas monopolistas da mídia, dizerem o que bem entendem. Confundem liberdade de imprensa com liberdade de empresas – as deles.
No Vocabulerolero indispensável para entender o que a mídia expressa de maneira cifrada, é preciso entender que quando falam de “governo responsável”, é aquele que prioriza o combate à inflação, às custas das políticas sociais. Quando falam de “clientelismo”, se referem às politicas sociais dos governos.
Quando falam de “líder carismático”, querem desqualificar os discursos os lideres populares, que falam diretamente ao povo sobre seus interesses.
Quando falam de “terrorismo”, se referem aos que combatem ou resistem a ações norte-americanas. “Sociedades livres” são as de “livre mercado”. Democráticos sao os países ocidentais que tem eleições periódicas, separação dos três poderes, variedade de siglas de partidos e "imprensa livre", isto é, imprensa privada.
“Democrático” é o pais aliado dos EUA – berço da democracia. Totalitário é o inimigo dos EUA.
Quando dizem “Basta” ou “Cansei”, querem dizer que eles não aguentam mais medidas populares e democráticas que afetam seus interesses e os seus valores.
Entre a velha mídia e a realidade se interpõe uma grossa camada de mecanismos ideológicos, com os quais tentam passar seus interesses particulares como se fossem interesses gerais. É o melhor exemplo do que Marx chamava de ideologia: valores e concepções particulares que pretendem promover-se a interesses da totalidade. Para isso se valem de categorias enganosas, que é preciso desmistificar cotidianamente, para que possamos enxergar a realidade como ela é.
Fabiana Soler é vereadora do PT em Potim (SP). Formada em Comunicação Social pela UNESP de Bauru, é Administradora com extensa experiência na área de Pesquisas de Opinião Pública.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
EMIR SADER E O LEROLERO DA VELHA MÍDIA: O PIG SENILA
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
A DIREITA QUER QUE GETÚLIO MORRA NOVAMENTE
"O povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém" A polarização na crise que desembocou no suicídio do Getulio foi a que comandou a história brasileira desde 1930 e, de certa forma, continua a polarizá-la ate hoje. Getulio foi o estadista que colocou as bases da construção de um Brasil nacional, popular, democrático, quebrando a espinha dorsal das oligarquias agrário-exportadoras, que mandavam no pais ha séculos. E isto nao lhe perdoaram nem essa direita radicada aqui, nem os EUA.
A crise de 1954 se deu em torno de denúncias de corrupção atribuídas ao governo, mas nao era preciso olhar muito a fundo a situação para saber que o elemento estratégico fundamental do segundo governo do Getulio foi a insistência na existência de petróleo no Brasil – contra a posição de Rockfeller e dos EUA – e a fundação da Petrobras, no bojo da campanha “O petróleo e’ nosso”, levada a cabo pelas forcas populares, especialmente sindicatos e movimento estudantil.
Com tantos ditadores corruptos vinculados aos EUA, se concentraram na luta contra o Brasil e a Argentina, pelas lideranças nacionalistas desses países e pelo potencial econômico e politico dos dois países.
A direita – o tucanato da época – se concentrava no tema da corrupção agregando setores de classe media do centro e sul do país, tentando se contrapor ao enorme apoio popular que as políticas econômicas nacionalistas e sociais populares do governo. Por isso a direita perdia todas as eleições. Apelava então para os quarteis, buscando, desde 1945, quando fundaram a Escola Superior de Guerra – Golbery e Castello Branco entre eles – e foram os representantes aqui da Doutrina de Seguranca Nacional, promovendo tentativas de golpe ao longo de toda a década de 1950 até conseguirem em 1964.
Em 1954, Getulio Vargas impediu, num dia como hoje, 24 de agosto, que triunfassem sobre ele. Entregou sua vida e reverteu uma situação armada para derrubá-lo e instalar governos repressivos e entreguistas, como os da ditadura militar.
A releitura de 1954 ajuda a pensar a historia brasileira desde então. As bandeiras da direita e da esquerda seguem similares. O denuncismo moralista e golpista de um lado, a defesa dos interesses nacionais e sociais, de outro. Setores conservadores de um lado, setores populares de outro.
Vale a pena a releitura da Carta Testamento do Getulio. Ela dá sentido à continuidade da história do movimento popular brasileiro desde 1930 até hoje, 80 anos depois, e projetado no futuro do Brasil no novo século. A grandeza que Lula conseguiu ter como presidente veio, em boa medida, dessa compreensão.
terça-feira, 9 de agosto de 2011
EMIR SADER E A NOVA CHINA (3º ARTIGO)

Um jornalista amigo italiano, que visitou a China ainda nos anos 50, como líder estudantil, ao se despedir do então ministro de Relações Exteriores, o elegante e esbelto Chouenlai, lhe disse:
-Que bom vir tão longe para conhecer uma experiência tão importante!
Ao que Chouenlai lhe respondeu, laconicamente:
- Longe de que? Eles, que se consideram o Império do Centro.
Claro que ele queria dizer – tendo levado o eurocentrismo na sua bagagem: Longe da Europa. E, com isso, longe da civilização.
E, no entanto, aqui está uma civilização muito mais antiga e mais rica que as europeias. E que hoje demonstra um vigor que a velha Europa se mostra incapaz, para enfrentar seus problemas. A China enfrenta desafios com audácia e persistência.
Os chineses são modestos, trabalhadores, pertinazes. Não querem exportar seu modelo, o sentimento das pessoas é o de que o governo é bom se as pessoas estão melhorando de vida – aí o juízo é claramente positivo sobre governo -, mas reclamam muito da corrupção, dos privilégios de quem está vinculado ao poder e das desigualdades.
Causou grande satisfação a extradição de um chinês que havia fugido, há 12 anos, para o Canadá, depois de ter sido pilhado em enormes casos de corrupção, ao trabalhar na alfândega e ganhar muito dinheiro cobrando para importar mercadorias de luxo. Depois de longas negociações com o governo canadense, ele foi extraditado, está preso e vai responder a processo que, segundo dizem as pessoas, deveriam envolver vários dos seus chefes de então.
Mas o que é certo é que a grande maioria das pessoas tem melhorado de vida, mesmo se em condições de desigualdades entre si. Mesmo a população do campo tem sido beneficiada, depois que o governo passou a protegê-la, além de que o êxodo – legal e ilegal para as cidades – continua. Os choferes de uma frota de 80 triciclos que funciona em um bairro boêmio de Beijing, em torno de um lindo lago, por exemplo, não são sindicalizados, são super explorados pelo dono, mas chegaram do campo e preferem essa condição do que voltar a viver no campo, para onde regressam periodicamente para levar o que ganham.
Moças preferem sair das condições de pobreza e opressão no campo, onde a expectativa das suas famílias costuma ser apenas a de que casem, para trabalhar nas novas cidades emergentes, em fábricas, onde rapidamente melhoram suas condições de vida, diminuindo rapidamente a longa jornada de trabalho e, mudando constantemente de emprego, aumentando seus salários.
Em um processo de rápida ascensão social, é claro que nem todos são beneficiados da mesma maneira. O que mais interessa é que todos tendem a melhorar e que a China tirou da miséria a 300 milhões de pessoas em 3 décadas, o que nunca ocorreu nessa escala em nenhum outro processo histórico. E que esse processo tende a continuar. Quando se fala que a economia chinesa vai diminuir seu ritmo de crescimento de 9 para 7% ao ano – o que, apesar de anunciado no Ocidente, nunca ocorreu até aqui -, é preciso levar em conta que crescer 7% ao ano a partir do elevado patamar de hoje é muito mais do que crescer a 10% vinte anos atrás.
Enquanto isso, a Europa retrocede – na Espanha a emigração supera a imigração, a população diminui – e não tem data para acabar a recessão, os otimistas dizem que a situação vai piorar antes de começar a melhorar.
A China considera que terminou o lapso de dois séculos em que ela foi ultrapassada pela Europa, não por vigor econômico, mas pela superação militar, pelo domínio armado dos mares, que permitiu o colonialismo, a escravidão, que promoveu a hegemonia ocidental. Esse lapso teria terminado e a China se projeta de novo com um futuro que eles consideram glorioso.
sábado, 6 de agosto de 2011
EMIR SADER E A NOVA CHINA (2º ARTIGO)

As primeiras impressões na chegada à China – nesta segunda vinda – já são significativas. A primeira dela, o smog que cobre o céu de Beijing, produto da contaminação. O concentrado esforço chinês para dar o salto econômico espetacular após mais de três décadas, apelou para os recursos energéticos de que dispunha, o que trouxe grandes problemas ambientais, hoje uma das preocupações prioritárias do governo chinês.
Por outro lado, as dimensões do aeroporto e o rápido atendimento refletem o esforço chinês para dar conta da chegada de gigantescos continentes de turistas que vem conhecer esta experiência única no mundo. Já seria única por suas próprias dimensões e ritmo, mais ainda porque contrasta fortemente com a recessão profunda e prolongada que se vive na Europa, no EUA e no Japão. Enquanto se é gentilmente atendido pelo funcionário que controla documentação, se pode avaliar o seu desempenho em um aparelhinho que ele não vê.
Chegando a Beijing, depois de trânsito denso, mesmo para um domingo, os espaços enormes das ruas e avenidas, a limpeza destas e a majestosidade dos edifícios, com a sua diversidade de estilos, se impõem. A indústria da construção chinesa é dos fenômenos mais impressionantes. Onde não edifícios, há construções, que trabalham 24 horas por dia. De cada quatro guindastes que se erguem no mundo, três são na China,
Nos domingos os parques são ocupados por idosos que dançam, fazem esporte, correm ou simplesmente conversam e fazem piquenique. Poucas bicicletas sobrevivem de décadas atrás, assim como é raríssimo, senão impossível, ver algum trajando as roupas tradicionais, do estilo de Mao.
Em suma, a China é outra, muito diferente da de três décadas, sobretudo diferente daquela da revolução cultural. A predominância da população rural diminui aceleradamente, havendo cálculos até de que, contando os imigrantes ilegais para os centros urbanos, estes já contenham a maioria da população.
Há um vertiginoso processo de ascensão social, que permite com que 300 milhões de pessoas tenham saída da miséria em três décadas, mas que, ao mesmo tempo, se tenha gerado, uma elite muito rica. O turismo na capital tem um enorme contingente de gente do campo, que provavelmente pela primeira vez, vem conhecer Beijing. (Uma guia que nos foi esperar no aeroporto, bem jovem, veio há apenas 6 meses da Mongólia interior buscar trabalho. Estuda castelhano, que fala ainda de maneira tosca, para buscar emprego, quando então vai encarar o problema da sua legalização, já que evidentemente ela se deslocou sem autorização para a capital.)
Um fenômeno novo, destas dimensões, e que tenta enfrentar problemas que evidentemente outras tentativas, no socialismo, não deram certo, tem primeiro que ser visto, para depois ser analisado. Sigo relatando impressões, para depois discutirmos seu significado.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
SÉRIE DE EMIR SADER SOBRE A NOVA CHINA - CONHEÇA MAIS SOBRE O DRAGÃO VERMELHO QUE ASSUSTA OS EUA

Diário da Nova China (1): O século XXI será chinês
O século XX foi inquestionavelmente norteamericano. Na virada do século XIX para o XX a hegemonia inglesa já dava sinais claros de esgotamentos. Economicamente, o dinamismo das emergentes economias alemã e norteamericana ameaçava claramente a dianteira inglesa. Militarmente, a Inglaterra teve dificuldades para resolver guerras localizadas na China e na África do Sul.
Enquanto isso a Alemanha, com a pujança do esquema imposto por Bismarck, recuperava o atraso econômico do país, tornando-se rapidamente a economia mais pujante da Europa. E os EUA despontava como o outro concorrente para disputar a sucessão da decadência inglesa.
Simbolicamente, a Inglaterra perdeu pela primeira vez, uma Copa Davis para os EUA, em 1900. Mas o que teve mais efeitos foi a projeção da indústria automobilística. Começado o novo século, chegavam a Londres os primeiros carros Ford norteamericanos. Era apenas o prenúncio da projeção mundial dos EUA como nova potência econômica, no bojo da generalização do consumo de automóveis – tornado o novo sonho de consumo de todos e passaporte de ingresso à classe média.
O automóvel foi a maior mercadoria do século XX, seu consumo se generalizou e seu estilo de vida se internacionalizou, a ponto que se cunhou a expressão “civilização do automóvel” para a era do novo século. E com, ele se afirmou também um estilo de vida, o “modo de vida norteamericano”, enquanto o consumo dos carros puxava o resto das estruturas industriais e impunha um estilo de vida individualizado – ida sozinha para o trabalho, fim de semana de cada família, sentimento de poderia associado à velocidade, etc.
Quando produziu seu primeiro modelo popular, Henri Ford projetava o sonho de consumo também para os trabalhadores – a começar pelos das suas fábricas – que poderiam ter acesso à compra de autos, no projeto de um “capitalismo popular”. O resto da hegemonia norteamericana foi consolidado por Hollywood, que produziu as grandes imagens do século, recontou a história da humanidade na ótica norteamericana e conquistou mentes e corações pelo mundo afora.
Mas isso não teria dado a vitória aos EUA na sucessão da Inglaterra, não tivesse sido derrotada a Alemanha nas duas guerras mundiais – na verdade, uma só, com um intervalo. O campo ficava livre para a projeção dos EUA como líder mundial. A crise de 1929 colocou interrogações, mas a segunda guerra permitiu o aceleramento da recuperação econômica norteamericana, puxada pelo complexo industrial-militar. Enquanto a Europa era destruída, pela segunda vez, em poucas décadas, os EUA aceleravam seu crescimento econômico e chegavam ao fim da segunda guerra como o líder indiscutível do Ocidente, ameaçado apenas pelo surgimento do campo socialista, com a superação do isolamento da URSS pelo surgimento dos países do leste europeu, incoporados à influencia soviética, pelos acordos do fim da guerra.
Mas a outra novidade foi a Revolução Chinesa, inesperada, como toda revolução, heterodoxa, desconcertante. O país de maior população no mundo, abandonava o campo ocidental – onde era uma imensa colônia japonesa e norteamericana – e se somava ao campo socialista. Uma imensa rebelião camponesa colocava novos desafios para a esquerda, mas sobretudo para o campo capitalista.
Os EUA se apressaram a forçar reformas agrárias no Japão, na Coréia do Sul – bombas atômicas e guerra da Coréia que possibilitassem – para tentar desativar as contradições no campo e evitar a proliferação de novas Chinas. As estratégias guerrilheiras ganhavam força na Ásia, África e America Latina.
A liderança espetacular de Mao-Tse-Tung surgiu depois do fracasso da tentativa de reproduzir na China a estratégia bolchevique das insurreições operárias nas cidades, com duas grandes derrotas no final dos ano 20. A “longa marcha” foi o prolongado processo de mobilização e sublevação camponesa, que permitiu, primeiro a expulsão dos japoneses, depois a derrota dos EUA, que levou à vitória revolucionária de 1949.
Porém a China reproduziu, à sua maneira, as mesmas dificuldades da URSS para romper com o capitalismo e construir o socialismo a partir das condições de atraso da periferia colonizada do sistema imperialista. O período de direção de Mao – hoje completamente renegado e esquecido – foi o das grandes viradas para tentar dar “um salto adiante”, do período das “mil flores” até a revolução cultural, com sucessivos fracassos e frustrações.
Ao final da revolução cultural, conforme o discurso atual, o país estava destruído. A revolução cultural não correspondia aos contos que pensadores maoístas pintavam: uma imensa rebelião das bases da sociedade contra a tecnocracia e a burocracia, mas um processo de sistemática destruição das estruturas mesmas do novo Estado chinês, incluídas as universidades, os centros de pesquisa e o próprio Partido Comunista. 200 milhões de pessoas vagam pelo país, desempregadas, enquanto vários milhões cumpriam penas de “recuperação”, enviadas ao campo para conviver com o campesinato.
A Nova China, esta que assombra o mundo, nasce ou renasceu em 1977, com a negação mais radical de tudo o que a revolução cultural pregava. A afirmação de Den-Ziao-Ping – considerado como o refundador da China – de que “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, apontava para a utilização da tecnologia e todos os meios que permitissem a China retomar o caminho do progresso e da modernização. Quando a revolução cultural se havia notabilizado por concepções exatamente opostas: o que não tivesse expressamente o selo de classe, era burguês. Nesse redemoinho foram tornada maldita não apenas a tecnologia, mas a cultura – renegando-se de Balzac a Shakespeare, de Bethoven a Bach.
O Mao que os chineses reivindicavam é o líder revolucionário que derrotou e expulsou os japoneses e os norteamericanos – que permitiu a independência da China -, não o desastrado dirigente de 1949 até sua morte, em 1975. Sua imagem continua a ocupar o lugar central na majestosa Praça da Paz Celestial, junto à bandeira vermelha com a foice e o martelo, a sede do Partido Comunista e a manutenção do objetivo da construção do socialismo, com a desaparição do Estado e das classes sociais.
Mas a China atual, essa que se projeta de forma aparentemente irresistível no século XXI, foi construída a partir das diretrizes de Deng, que à referências à técnica, incentivou – de forma similar a Lenin, na tentativa de incentivar os camponeses a produzir – os chineses a se enriquecer, dizendo que isso seria “glorioso” ou, pelo menos não teriam que se envergonhar de enriquecer. Foi um retumbante apelo à desmistificação do progresso e à entrega do mais de milhão de chineses ao trabalho.
Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. O país tirou da miséria mais de 300 milhões de pessoas, em 3 décadas, o que ninguém nunca havia feito na historia da humanidade. E o fez sem dirigir um sistema colonial ou imperialista, sem intervenções bélicas externas, sem escravidão, nem pirataria (típicos das potências coloniais e imperialistas do Ocidente).
A China recuperou espetacularmente a capacidade de crescer, em meio a um mundo ocidental decadente economicamente, recessivo. (De cada 4 guindastes que se montam no mundo, 3 estão na China.) A China considera que o “breve” período de dois séculos, em que ela foi suplantada por potências ocidentais, um parêntesis em ter suas glórias passadas e as presentes e futuras.
De fato, até o século XVIII, a China não apenas era mais desenvolvida que as potências europeias. Ela não se interessava por comprar nada do ocidente, enquanto os países europeus desejavam loucamente comprar as sedas, as especiarias, os chás, e outros tantos bens produzidos pela China. Para buscar reequilibrar o comercio, a Inglaterra invadiu a China e induziu o consumo do ópio – a chamada guerra do ópio. Não pôde se manter, se retirou para Hong-Kong (devolvido recentemente à China) e passou a exportar para esse país o ópio produzido na maior colônia inglesa – a Índia. Um negócio redondo para a Inglaterra, que passava a ter o que exportar para a China, incentivava a produção do ópio na Índia e encontrava uma mercadoria com a qual equilibrar as exportações chinesas.
Se o século XXI vai ser o século chinês, é uma questão aberta. Do ponto de vista econômico, há fortes indício de que sim. Uma combinação entre economia de mercado com um Estado fortemente regulador, parece combinar fatores positivos dos dois, respondendo em parte pelo contínuo progresso chinês. Se essa força econômica será suficiente ou não para torna-la a potência hegemônica no mundo ao longo do século XXI, depende não apenas da força econômica, mas do poderio militar, da força política, da capacidade de transformar esses elementos em predominância ideológica.
A humanidade entrou, certamente, em um período de crise hegemônica, em que a velha potência dominante se enfraquece, mas mantem sua predominância, enquanto as forças emergentes – das quais a China é a mais importante, junto com países como o Brasil e a Índia, entre outros, - ocupam cada vez mais espaços, apontando para a possível passagem de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A China é e será o fator essencial nessa passagem.