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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

90 ANOS DE DOM PAULO EVARISTO ARNS (2)

Incansável, dom Paulo tornou-se símbolo na defesa de direitos humanos

Por: João Peres e Virginia Toledo, da Rede Brasil Atual


Incansável, dom Paulo tornou-se símbolo na defesa de direitos humanos

Em 1989, dom Paulo viu a Arquidiocese ser fragmentada e dividida em quatro dioceses autônomas, o que diminuiu o papel da influência que o arcebispo exercia sobre a cidade de São Paulo (Foto: © Douglas Mansur)

São Paulo - A ânsia de Dom Paulo Evaristo Arns pela luta dos direitos humanos não foi jamais abalada. Ele não se deixou esmorecer nem mesmo quando o Brasil já estava entrando nos eixos da democracia. A ação das pastorais e da Arquidiocese continuavam no trabalho nas ruas da capital, principalmente nas periferias.

Como arcebispo, dom Paulo via que a violação dos direitos humanos se multiplicava de forma progressiva. Assim, sempre considerou que deveria procurar por juristas para lhe apoiar nas intervenções feitas por ele, que cada vez mais frequentes, tornavam-se também mais delicadas. Ai então entra o papel de um importante jurista brasileiro que esteve ao lado de dom Paulo por diversos momentos da vida de luta do arcebispo: Dalmo de Abreu Dallari.

Já nos tempos em que o Brasil caminhava – a passos curtos – para uma sociedade democrática, a Comissão de Justiça e Paz, que havia criado em 1967, continuava a trabalhar incessantemente.

O ano era 1983 e alguns dias antes do Natal daquele ano, um menino de rua chamado Joílson de Jesus protagonizou um caso cruel da violência. Uma corrente de ouro, roubada pelo menino em plena Praça da Sé, motivou o espancamento e o pisoteio que o levou à morte, também em plena Praça da Sé. O agressor era um procurador do estado. Não obstante, a injustiça foi além. No intuito de alertar a sociedade acerca da crueldade do ocorrido, dom Paulo e a Pastoral do Menor realizaram uma celebração em memória do menino Joílson.

Entretanto, uma investida sensacionalista, contrária à manifestação da Pastoral, tentava fazer com que a celebração fosse perturbada e alvo de protestos. O radialista Afanásio Jazadji pedia que as pessoas fossem à catedral tumultuar. Porém, sem o sucesso dos protestos, as pessoas presentes aplaudiram de pé a postura de dom Paulo e o trabalho da Comissão Justiça e Paz. Segundo o próprio dom Paulo, a decisão de alarmar a violência contra o menino Joílson, fez com que o povo entendesse o verdadeiro intuito da comissão.

Naquela época, padre Júlio Lancelotti era diácono da Arquidiocese e o papel designado aos diáconos era proteger o bispo da paróquia. "Eu estava cuidando de dom Paulo. Andávamos praticamente colados nele porque a catedral estava muito cheia. Foi um momento muito tenso, mas todos receberam muito bem a decisão do arcebispo de rezar aquela celebração", conta padre Júlio.

Já no final de sua trajetória como arcebispo de São Paulo, em 1989, dom Paulo viu a Arquidiocese ser fragmentada e dividida em quatro dioceses autônomas, o que diminuiu o papel da influência que o arcebispo exercia sobre todos os cantos e periferias da cidade. Segundo pessoas próximas ao cardeal, ele não recebeu a notícia com agrado, pois descentralizar minimizava a força dos trabalhos que eram realizados em diversas regiões da cidade.

Pelos direitos humanos, de todos

Um outro episódio marcou o país e identificou dom Paulo como aquele que não elege cirscuntâncias e condições para defender o direito humano. Em 1989, o empresário Abílio Diniz foi sequestrado em São Paulo e o intermediador entre os sequestradores e a polícia foi o próprio arcebispo. Dom Paulo afirmou que faria o mesmo por qualquer cidadão caso tivesse sido solicitado, como fez a família do empresário.

Na ocasião, dom Paulo não apenas negociou a libertação de Diniz, como garantiu que os envolvidos não fossem torturados no caminho até a prisão. E a voz do arcebispo não se calou até aí. Dom Paulo exigiu que fosse tirado do carro que transportaria os sequestradores a palavra "Lula", que à época era candidato à Presidência disputando com Fernando Collor de Mello.

Reconhecimento

Apesar de ter recebido as mais importantes condecorações pelo reconhecimento de seu trabalho na luta pela paz, um vazio permanece na história de dom Paulo e do Brasil. Segundo o Padre Júlio Lancelotti, por muitas vezes, houve indicações para que dom Paulo recebesse a distinção internacional mais importante no esforço pela paz mundial, o Prêmio Nobel da Paz, porém, por intermédio do governo militar, o cardeal nunca o recebeu.

"Eu diria que a pessoa de dom Paulo Evaristo Arns é um presente de Deus para a igreja, para o Brasil e para a paz no mundo por tudo que ele representou para os direitos humanos. Ele fica para a história do Brasil como uma das maiores personalidades que ajudaram o país a ser o que é hoje", enfatiza dom Pedro Stringhini, bispo de Franca e amigo pessoal do arcebispo emérito de São Paulo.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

90 ANOS DE DOM PAULO EVARISTO ARNS

Drama social fez de dom Paulo o bispo dos trabalhadores e da periferia

Realidade do país, com fluxo de imigrantes em direção ao Sudeste e violações de direitos humanos pela ditadura, foram decisivos para a atuação do religioso, que se aproxima dos 90 anos

Por: João Peres e Virginia Toledo, da Rede Brasil Atual


Drama social fez de dom Paulo o bispo dos trabalhadores e da periferia

Dom Paulo exibe presente dos presos do presídio Tiradentes no Natal de 1971; denúncias de detenção arbitrária mobilizaram o religioso (Foto: © Douglas Mansur)

São Paulo – Quando dom Paulo Evaristo Arns assumiu o cargo de bispo auxiliar em São Paulo, em 1966, cresciam a cidade e a repressão. O processo de inchaço que criaria a maior metrópole da América do Sul estava a pleno vapor, e levaria 3 milhões de brasileiros a se deslocarem em menos de três décadas em direção à promessa da riqueza. O regime autoritário, em paralelo, recrudescia, e em 1968 foi decretado o Ato Institucional número 5, que abria espaço à institucionalização das violações de direitos humanos e das prisões arbitrárias.

“Aí, então, o profetismo de Dom Paulo foi altamente significativo não somente na arquidiocese, mas no Brasil como um todo”, avalia dom Angélico Sândalo Bernardino, chamado a São Paulo em 1974 para assumir um dos cargos de bispo auxiliar. “Foi um tempo realmente de muita vida, muita participação, isso animado de maneira significativa por Dom Paulo.”

Em 1970, quando dom Paulo foi nomeado para comandar a Arquidiocese de São Paulo, o Censo Demográfico indicava, pela primeira vez na história, que havia mais gente vivendo na zona urbana do que na rural. O então arcebispo tomou a decisão simbólica de vender o Palácio Pio XII, residência oficial, para financiar a compra de terrenos e a construção de casas na periferia.

O presídio do Carandiru, em 1966, havia sido o despertar para a necessidade de proteger os direitos humanos na selva de pedra. Foram as sucessivas denúncias de detenções arbitrárias de presos políticos que fizeram o arcebispo direcionar sua atuação. Dom Paulo passou a fazer frequentes visitas às comunidades periféricas e a articular os trabalhadores para que pudessem cumprir o papel que, acredita, lhes cabe na história, o de protagonistas.

Numa dessas missões, conheceu Santo Dias da Silva, morador da zona sul paulistana que viria a se transformar em um amigo. A Pastoral Operária, criada formalmente uma semana antes da nomeação do franciscano ao comando da arquidiocese, experimentava crescimento, e com ele abriam-se os olhos da repressão. “Dom Paulo estava nos momentos mais difíceis, mais decisivos, ligados à política, à religião, aos direitos humanos. Era a pessoa que a gente respeitava”, lembra Ana Dias, viúva do líder operário, morto em 1979 por agentes da ditadura.

Respaldo

Em 1972, a criação da Comissão Justiça e Paz pareceu a consequência natural para lidar com as violações de direitos humanos. As reuniões iniciais, na casa de dom Paulo, juntaram importantes juristas, militantes, trabalhadores e intelectuais, que buscavam formas de denunciar prisões ilegais e, com isso, garantir a sobrevivência dos detidos. “Eu não sabia o que era”, lembra Margarida Genevois, chamada ao encontro inaugural por Fábio Konder Comparato, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “A gente fazia na cozinha, que dava para os fundos da casa, e era mais difícil de alguém ouvir ou perceber.”

“Como consequência, a gente fazia pressão em cima dos militares”, acrescenta Waldemar Rossi, fundador da Pastoral Operária e integrante do grupo inicial. Mais tarde, em 1974, o próprio viria a ser preso por conta de sua militância. Mantido em uma cela solitária durante 12 dias, e incomunicável por outros 13, só viu a situação começar a mudar quando dom Paulo perdeu a paciência, entrou na sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em São Paulo, e exigiu falar com o amigo. “Vocês torturaram esse homem. Ele não consegue andar direito”, acusou.

O pior ainda estava por vir. Em outubro de 1975 foi morto o jornalista Vladimir Herzog nas celas do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), outro aparelho da repressão. Dom Paulo organizou um ato ecumênico na Catedral da Sé, marco zero de São Paulo, que reuniu milhares de pessoas e é visto como ponto simbólico do início do fim da ditadura.

“Eu acho que ele foi um visionário pelo trabalho que desenvolveu à época”, pontua Anita Wright, filha de Jaime Wright, o representante presbiteriano na celebração em homenagem a Vlado e fiel amigo do cardeal. “O fato de ter assumido uma arquidiocese do tamanho da de São Paulo demonstra a capacidade que ele tem de trabalho, liderança e carisma.”

Santo morre

“Dom Paulo saiu de casa com todos os trajes episcopais e chegou dizendo: ‘Abram a porta. É o arcebispo de São Paulo’”, recorda o padre Júlio Lancelotti sobre os fatos desenrolados quatro anos mais tarde. Em um piquete na zona sul de São Paulo, Santo Dias foi atingido pela Polícia Militar e morreu.

Dom Paulo foi até o local, mas, quando chegou, o corpo já havia sido levado ao Instituto Médico Legal (IML) – as testemunhas contam que o corpo só não desapareceu por causa da atuação imediata de Ana Dias. No IML, dom Paulo colocou a mão no ponto do corpo perfurado pela bala e mostrou aos militares que seria inútil qualquer tentativa de negar a autoria do crime.

No dia seguinte, o cardeal celebrou uma missa na Igreja da Consolação, de onde os trabalhadores partiram em passeata em direção à Catedral da Sé. “A gente pegou o caixão pior que teve. Era muito fraco”, lembra Ana. “(O caixão) não aguentava caminhar da Consolação até a Sé, mas os companheiros queriam fazer uma homenagem para o Santo. Dom Paulo encomendou outro caixão igualzinho, fez toda essa mudança, sem me deixar perceber. Só depois de muito tempo me contou isso.”

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

BRASIL, E A BELEZA HETEROGÊNEA DE POVOS




Bercht: As cores dos brasileiros


Os estudos feitos pela equipe da Universidade de Minas Gerais – formada por Sérgio Pena, Denise R. C. Silva, Juliana Alves Silva e Vânia Prado, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, e por Fabrício R. Santos, do Departamento de Biologia Geral – estão entre os que mostram como os caracteres aparentes dizem pouco sobre a nossa origem.

Por Verônica Bercht*

O senso comum nos diz que um brasileiro de pele escura é afro-descendente e outro de pele clara é descendente de europeus, mas essa é uma conclusão equivocada. O grupo de pesquisadores analisou dois conjuntos de genes diferentes em brasileiros que se autoconsideram brancos. Um deles encontra-se no cromossomo Y, que é herdado do pai apenas pelos filhos do sexo masculino. O outro faz parte do DNA mitocondrial (a mitocôndria é aquela organela encontrada em todas as células, responsável pela produção da energia celular). O DNA mitocondrial é herdado da mãe por filhos e filhas.

Estes dois conjuntos de genes foram escolhidos para estudo por apresentarem duas características importantes: eles são herdados de apenas um dos pais e eles não sofrem recombinação genética. Isto é, os filhos do sexo masculino recebem uma cópia idêntica deste bloco de genes (haplótipo) do cromossomo Y do pai, da mesma forma como filhos e filhas herdam uma cópia do haplótipo do cromossomo mitocondrial da mãe.

E essas características tornam esses blocos de genes, do cromossomo Y e do cromossomo mitocondrial, verdadeiros “marcadores” de linhagens paternas (patrilinhagens) e maternas (matrilinhagens), e permitem contar a história genética da espécie humana. O conjunto de genes inicial presente entre os primeiros Homo sapiens e ainda hoje encontrado entre bosquímanos !Kung que vivem no Sul da África foi sendo alterado por mutações ao longo das centenas de milhares de anos, à medida que os homens migraram para novas regiões.

Essas mutações ocorreram em momentos específicos da história da migração humana pelos diferentes continentes e, como os fósseis, registram essa história.

Ao analisar uma amostra da população brasileira que se autoconsidera branca, o grupo de pesquisadores encontrou sete haplogrupos diferentes do cromossomo Y; todos eles, explicam os pesquisadores, chegaram ao Brasil através da imigração europeia. A análise desses marcadores levou Sérgio Pena e sua equipe à conclusão que mais de 90% das linhagens paternas de brasileiros brancos descendem de europeus, e somente, 2% descendem de africanos.

Contudo, nas linhagens maternas os resultados encontrados foram bem diferentes. A análise do DNA mitocondrial, que é o marcador genético destas linhagens, é mais complexa, pois ele é bem mais diversificado que o cromossomo Y. Os pesquisadores encontraram 171 haplótipos diferentes, distribuídos em três grupos distintos de linhagens: africanas, ameríndias e européias, que se apresentam com uma distribuição relativamente uniforme na população branca brasileira – 33% de linhagens ameríndias, 28% de linhagens africanas e 39% de linhagens europeias –, distribuição bem diferente da encontrada para o cromossomo Y.

A distribuição desses haplogrupos mitocondriais por região no Brasil também está relacionada à história da colonização. No Sul, chama a atenção a maioria (66%) dos haplótipos europeus, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos séculos XIX e XX, de um lado, e a minoria das matrilinhagens africanas associada à menor utilização de mão-de-obra escrava na região.

No Norte, 54% das matrilinhagens são ameríndias e reflete a maior presença indígena em relação aos africanos entre os trabalhadores forçados da região. A principal atividade econômica no Norte era o extrativismo, realizado, principalmente, pela população indígena. No Nordeste, predominam matrilinhagens africanas (44%), refletindo a concentração de trabalhadores escravizados nos latifúndios localizados no litoral.

Mesmo no Sudeste, onde se concentrou a imigração europeia, e que é visto como o Brasil branco, há uniformidade da distribuição das linhagens.

Os dados levantados pelo estudo feito pelos cientistas da UFMG reafirmam a inexistência de raças humanas e expõem a diversidade genética da população brasileira. Somos descendentes de africanos, índios e europeus. A natureza triíbrida da população brasileira, a partir de ameríndios, africanos e europeus, já havia sido afirmada por vários autores como Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro, entre tantos outros. E, como dizem os pesquisadores mineiros, “os dados que obtivemos dão respaldo científico a essa noção”.


(*) Verônica Bercht é bióloga e jornalista científica. Publicado originalmente em Princípios, nº 79, jun/jul-2005

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

PARA ROUBINI, KARL MARX É O PAI DA HISTÓRIA ATUAL




Nouriel Roubini: “Karl Marx estava certo”

Na avaliação de Nouriel Roubini, professor de economia na Universidade de Nova York, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente por Karl Marx há mais de um século. Roubini, que há quatro anos previu a crise financeira global diz que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.
Joseph Lazzaro - The International Business Time

Há um velho axioma que diz que “sábia é a pessoa que aprecia a sinceridade quase tanto como as boas notícias”, e com ele como guia, situa decididamente o futuro na categoria da sinceridade.

O professor de economia da Universidade de Nova York, doutor Nouriel “Dr. Catástrofe” Roubini disse que, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente pelo economista Karl Marx há mais de um século.

Roubini, que há quatro anos previu acuradamente a crise financeira global disse que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.

A crítica de Marx em vigor, agora
Dentre outras teorias, Marx argumentou que o capitalismo tinha uma contradição interna que, ciclicamente, levaria a crises e isso, no mínimo, faria pressão sobre o sistema econômico. As corporações, disse Roubini, motivam-se pelos custos mínimos, para economizar e fazer caixa, mas isso implica menos dinheiro nas mãos dos empregados, o que significa que eles terão menos dinheiro para gastar, o que repercute na diminuição da receita das companhias.

Agora, na atual crise financeira, os consumidores, além de terem menos dinheiro para gastar devido ao que foi dito acima, também estão motivados a diminuírem os custos, a economizarem e a fazerem caixa, ampliando o efeito de menos dinheiro em circulação, que assim não retornam às companhias.

“Karl Marx tinha clareza disso”, disse Roubini numa entrevista ao The Wall Street Journal: "Em certa altura o capitalismo pode destruir a si mesmo. Isso porque não se pode perseverar desviando a renda do trabalho para o capital sem haver um excesso de capacidade [de trabalho] e uma falta de demanda agregada. Nós pensamos que o mercado funciona. Ele não está funcionando. O que é racional individualmente ... é um processo autodestrutivo”.

Roubini acrescentou que uma ausência forte, orgânica, de crescimento do PIB – coisa que pode aumentar salários e o gasto dos consumidores – requer um estímulo fiscal amplo, concordando com outro economista de primeira linha, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman, em que, no caso dos Estados Unidos, o estímulo fiscal de 786 bilhões de dólares aprovado pelo Congresso em 2009 era pequeno demais para criar uma demanda agregada necessária para alavancar a recuperação da economia ao nível de uma auto expansão sustentável.

Na falta de um estímulo fiscal adicional, ou sem esperar um forte crescimento do PIB, a única solução é uma reestruturação universal da dívida dos bancos, das famílias (essencialmente das economias familiares), e dos governos, disse Roubini. No entanto, não ocorreu tal reestruturação, comentou.

Sem estímulo fiscal adicional, essa falta de reestruturação levou a “economias domésticas zumbis, bancos zumbis e governos zumbis”, disse ele.

Fora o estímulo fiscal ou a reestruturação da dívida, não há boas escolhas

Os Estados Unidos, disse Roubini, pode, em tese: a) crescer ele mesmo por fora do atual problema (mas a economia está crescendo devagar demais, daí a necessidade de mais estímulo fiscal); ou b) retrair-se economicamente, a despeito do mundo (mas se muitas companhias e cidadãos o fizerem junto, o problema identificado por Marx é ampliado); ou c) inflacionar-se (mas isso gera um extenso dano colateral, disse ele).

No entanto, Roubini disse que não pensa que os EUA ou o mundo estão atualmente num ponto em que o capitalismo esteja em autodestruição. “Ainda não chegamos lá”, disse Roubini, mas ele acrescentou que a tendência atual, caso continue, “corre o risco de repetir a segunda etapa da Grande Depressão”—o erro de ‘1937’.

Em 1937, o presidente Franklin D. Roosevelt, apesar do fato de os primeiros quatro anos de massivo incentivo fiscal do New Deal ter reduzido o desemprego nos EUA, de um cambaleante 20,6% na administração Hoover no começo da Grande Depressão, a 9,1%, foi pressionado pelos republicanos congressistas – como o atual presidente Barack Obama fez com o Tea Party, que pautou a bancada republicana no congresso em 2011 – , rendeu-se aos conservadores e cortou gastos do governo em 1937. O resultado? O desemprego estadunidense começou o ano de 1938 subindo de novo, e bateu a casa dos 12,5%.

Cortar os gastos do governo prematuramente feriu a economia dos EUA em 1937, ao reduzir a demanda, e Roubini vê o mesmo padrão ocorrendo hoje, ao se seguir as medidas de austeridade implementadas pelo acordo da dívida implemented by the U.S. debt deal act.

Roubini também argumenta que os levantes sociais no Egito e em outros países árabes, na Grécia e agora no Reino Unido têm origem econômica (principalmente no desemprego, mas também, no caso do Egito, no aumento do custo de vida). Em seguida, argumenta que, ao passo que não se deve esperar um colapso iminente do capitalismo, ou mesmo um colapso da sua versão estadunidense, o capitalismo corporativo – capitalismo e mercados livres são rápidos demais e capazes de se adaptarem - dizer que a ordem econômica atual não está experimentando uma crise não é correto.

Fonte: http://www.ibtimes.com/articles/197468/20110813/roubini-nouriel-roubini-dr-doom-financial-crisis-debt-crisis-europe.htm

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A DEFESA DO IDIOMA PORTUGUÊS É A DEFESA DA NACIONALIDADE


Proteger línguas e culturas: o caso do português


por Éda Heloisa Pilla


O acervo lexical das línguas cresce em razão da necessidade de criação de palavras novas, os neologismos, para suprir a necessidade de denominação de novos conteúdos gerados pela evolução do conhecimento. As novas palavras, por sua vez, obedecem a uma coerência, em razão da relação que mantêm com as já existentes, em um dado sistema linguístico. Conforme colocou Ferdinand de Saussure, em sua teoria Estruturalista, o léxico das línguas (vocabulários) se assemelha a um tecido, onde todas as malhas são interdependentes, e condicionam-se mutuamente. Quando uma nova malha é acrescentada ou modificada, o sistema é abalado como um todo.

Por outro lado, o sistema cultural, estruturado por cada comunidade lingüística, e que dá suporte à língua, atua, ao mesmo tempo, como causa e efeito ao engendrar as novas palavras, pois ele é tanto afetado pelas significações das já existentes como o responsável pelo surgimento das novas. A harmonia entre léxico e cultura constitui a identidade da língua. Por isso, cada sistema lingüístico é único e explica porque cada língua conceptualiza o mundo à sua maneira e difere dos demais.

Sendo assim, ao adquirir sua língua materna, um falante já herdaria toda a carga de significações contida em suas palavras. Esse processo que, como foi mencionado, difere de língua para língua, molda a maneira específica com que interpretamos o mundo, constituindo uma lente através da qual percebemos a realidade. Tal fato torna as línguas, por assim dizer, intangíveis e impenetráveis, já que cada uma descreve sua própria visão do mundo ou, segundo alguns autores, o seu próprio mundo.

A diversidade lingüística, hoje apregoada quase a exaustão, não deve ser entendida superficialmente apenas em relação às diferenças entre línguas/culturas, mas também e, sobretudo, à necessidade de manutenção dessas diferenças. Ela constitui uma riqueza natural inestimável a ser preservada acima de qualquer interesse econômico, comercial ou político, por constituir o patrimônio cultural da humanidade.

Em muitos momentos da história, entretanto, essa ordem foi ameaçada ou quebrada.

Muitas línguas desapareceram em razão da extinção física de seus usuários, como o caso das línguas indígenas do Brasil; outras perderam seu status oficial pela imposição da língua e cultura do colonizador, como as línguas nacionais da Índia (bem com tantas da África e Ásia), durante os 80 anos de colonização inglesa, e outras, ainda, sofreram sanções temporárias, como o português do Timor Leste, durante a invasão indonésia, e o catalão durante a ditadura franquista. Essas duas últimas se reergueram graças à perseverança, coragem e zelo de seus usuários. Todos esses exemplos mantêm um o traço comum: quase sempre a causa do desaparecimento ou enfraquecimento da língua se deveu a relações de poder e dominação

Hoje, verifica-se, no mundo, o assédio do inglês como língua hegemônica, provocando grande perturbação às línguas “menores”. O português brasileiro não escapa a essa ameaça. O uso extensivo de palavras do inglês que penetram em nosso léxico expõe uma situação de neocolonialismo lingüístico-cultural, sem imposição explícita ou física de um invasor, mas tampouco sem restrição ou resistência por parte da língua receptora. Talvez por essa razão, o fenômeno venha tomando proporções alarmantes, extrapolando o limite do razoável e prenunciando uma irreversibilidade desastrosa para o português. As palavras estrangeiras que entram em nossa língua tomam o espaço das nossas, inibem a criação de novas segundo nossas normas, subvertem nossa fonologia e agridem nossos valores culturais. Mas o pior não é a quantidade de palavras já adotadas (sobre isso nem temos estatísticas autorizadas), mas a instalação de uma tendência aceita e estimulada, entre outros, pelos meios de comunicação e pela propaganda.

Como os novos termos, normalmente introduzidos pela literatura que acompanha uma inovação técnica, tecnológica, científica ou literária, não são traduzidos ou não se criam palavras nacionais para substituí-los, a perspectiva é de que, em um futuro não tão remoto, nossa língua possa se restringir a um uso doméstico-familiar, e quando precisarmos falar ou escrever sobre temas especializados terá que ser em inglês, pois não disporemos de vocabulário para tal. Essa é a rota para a homogeneização lingüística e cultural, um caminho sem volta.

Tendo sido rompida uma ordem natural, é necessária a interferência humana para resgatá-la.

É consenso entre os estudiosos, que qualquer sistema lingüístico possui capacidade para nomear tudo o que considerar necessário para suas interações lingüísticas, e a impressão de que certas línguas não podem suprir necessidades de estruturas conceptuais é puramente ideológica. De outra parte, é uma decisão política desenvolver terminologias na língua nacional ou resignar-se a tomá-las emprestado de uma língua veicular.

Ao criar novas palavras explorando seus próprios recursos, as línguas enriquecem. O inglês vem fazendo isso sistematicamente, mas nós, em vez disso, copiamos as palavras dele, que nada têm a ver com a natureza de nossa língua.

O fato, mencionado acima, de os novos termos ou expressões estarem relacionados e condicionados aos já existentes, ao mesmo tempo em que respeita um sistema anterior organizado, facilita o entendimento da nova palavra por parte dos demais falantes, proporcionando-lhes meios naturais de decodificá-la.

Por um prolífico processo de derivação para cunhar palavras novas, em quase todas as línguas, a nominalização, criou-se, em inglês, a palavra bullying, a partir do verbo to bully mais o sufixo ing, ambos já fazendo parte da língua inglesa. O verbo to bully, derivado de bull em seu sentido metafórico (ver o dito: Like a bull in a china shop), deu origem, por sua vez, a bullying, por analogia a outros casos já lexicalizados, da mesma forma que o verbo to read (ler)derivou reading (leitura), to meet (encontrar) derivoumeeting (encontro) e to feel (sentir) derivou feeling (sentimento). Sendo assim, bullying é uma palavrafacilmente decodificável, previsível e virtualmente presente na consciência dos falantes de inglês. Para nós, entretanto, ela é totalmente estranha, alheia ao nosso sistema, e por isso não nos diz nada.

O sufixo nominalizador - ing, por sua vez, é tão fecundo quanto os nossos: - ção, - mento e

- ança , também formadores de substantivos a partir de verbos. Observemos os exemplos, em português, de verbos já lexicalizados como: preservar que derivou preservação; motivar que derivou motivação; sucatear – sucateamento; enfrentar – enfrentamento; gastar – gastança ecobrar - cobrança.

Por outro tipo de derivação - a composição -, criou-se, em inglês, a expressão home-theater , cunhada a partir de dois itens lexicais já existentes naquela língua: home e theater, e por um processo sintático totalmente previsível daquele idioma. Trata-se de uma colocação nominal que corresponde, em português, a formações ligadas pelas preposições de, em ou por hífem, como por exemplo: cartão de crédito (tradução de credit card ); ciência da computação ( computer science); fermento em pó (baking powder); questão-chave (key question); livro-texto ( text book), e assim por diante. Por que não traduzir home- theater por cinema em casa ?

Ainda outro modelo de criação lexical usado pelas línguas ocorre no neologismo semântico. Isso se dá quando um conteúdo novo é denominado por uma palavra já existente. O inglês é abundante nesse recurso. É o caso de chip (lâmina), hardware (artefato; equipamento de metal); mouse (rato); stand by (espera) e attached (anexado/junto), para citar apenas alguns exemplos. Todos já existiam antes de assumirem novos sentidos no campo semântico da computação.

Aqueles que conhecem os recursos da língua portuguesa para criar novas palavras, professores, lingüistas ou outros estudiosos, devem estar se perguntando por que os brasileiros, de algum tempo para cá, estão sabotando sua língua e sua cultura, e adotando, sem nenhum critério, palavras de outro sistema linguístico que usa exatamente os mesmos meios de geração de palavras de que nós dispomos?


Éda Heloisa Pilla

Doutora em Linguística e Filologia pela USP, professora de inglês do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UFRGS e autora do livro“Os Neologismos do Português e a Face Social da Língua” (Ed. AGE, Porto Alegre, 2002).

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

NOAM CHOMSKY ABORDA A DECADÊNCIA ESTADUNIDENSE

Os Estados Unidos em decadência

A supremacia do poder corporativo sobre a política e a sociedade nos EUA chegou ao grau de que as formações políticas, que nesta etapa apenas se parecem com os partidos tradicionais, estão muito mais à direita da população nos principais temas em debate. Para o povo, a principal preocupação interna é o desemprego. Mas, para as instituições financeiras, a principal preocupação é o déficit. Ao triturar os restos da democracia política, as instituições financeiras estão lançando as bases para fazer avançar ainda mais este processo letal, enquanto suas vítimas parecem dispostas a sofrer em silêncio. O artigo é de Noam Chomsky.

Noam Chosmky - La Jornada

É um tema comum que os Estados Unidos, que há apenas alguns anos era visto como um colosso que percorreria o mundo com um poder sem paralelo e um atrativo sem igual (...) estão em decadência, enfrentando atualmente a perspectiva de uma deterioração definitiva, assinala Giacomo Chiozza, no número atual de Political Science Quaterly.

A crença neste tema, efetivamente, está muito difundida. Em com certa razão, se bem que seja o caso de fazer algumas precisões. Para começar, a decadência tem sido constante desde o ponto culminante do poderio dos EUA, logo após a Segunda Guerra Mundial, e o notável triunfalismo dos anos 90, depois da Guerra do Golfo, foi basicamente um autoengano.

Outro temam comum, ao menos entre aqueles que não ficaram cegos deliberadamente, é que a decadência dos EUA, em grande medida, é auto-inflingida. A ópera bufa que vimos este verão em Washington, que desgostou o país e deixou o mundo perplexo, pode não ter comparação nos anais da democracia parlamentar. O espetáculo inclusive está chegando a assustar aos patrocinadores desta paródia. Agora, preocupa ao poder corporativo que os extremistas que ajudou a por no Congresso de fato derrubem o edifício do qual depende sua própria riqueza e seus privilégios, o poderoso estado-babá que atende a seus interesses.

A supremacia do poder corporativo sobre a política e a sociedade – basicamente financeira – chegou ao grau de que as formações políticas, que nesta etapa apenas se parecem com os partidos tradicionais, estão muito mais à direita da população nos principais temas em debate.
Para o povo, a principal preocupação interna é o desemprego. Nas circunstâncias atuais, esta crise pode ser superada só mediante um significativo estímulo do governo, muito mais além do que foi o mais recente, que apenas fez coincidir a deterioração no gasto estatal e local, ainda que essa iniciativa tão limitada provavelmente tenha salvado milhões de empregos.

Mas, para as instituições financeiras, a principal preocupação é o déficit. Assim, só o déficit está em discussão. Uma grande maioria da população está a favor de abordar o problema do déficit taxando os muito ricos (72%, com 27% contra), segundo uma pesquisa do The Washington Post e da ABC News. Fazer cortes nos programas de atenção médica conta com a oposição de uma esmagadora maioria (69% no caso do Medicaid, 78% no caso do Medicare). O resultado provável, porém, é o oposto.

O Programa sobre Atitudes de Política Internacional (PIPA) investigou como a população eliminaria o déficit. Steven Kull, diretor do PIPA, afirma: É evidente que, tanto o governo como a Câmara (de Representantes) dirigida pelos republicanos, estão fora de sintonia com os valores e as prioridades da população no que diz respeito ao orçamento.

A pesquisa ilustra a profunda divisão: a maior diferença no gasto é que o povo apoia cortes profundos no gasto militar, enquanto que o governo e a Câmara de Representantes propõem aumentos modestos. O povo também defende aumentar o gasto na capacitação para o trabalho, na educação e no combate à poluição em maior medida que o governo ou a Câmara.

O acordo final – ou, mais precisamente, a capitulação ante à extrema direita – é o oposto em todos os sentidos, e quase com toda certeza provocará um crescimento mais lento e danos de longo prazo para todos, menos para os ricos e as corporações, que gozam de benefícios sem precedentes.

Nem sequer se discutiu que o déficit poderia ser eliminado se, como demonstrou o economista Dean Baker, se substituísse o sistema disfuncional de atenção médica privada dos EUA por um semelhante ao de outras sociedades industrializadas, que tem a metade do custo per capita e obtém resultados médicos equivalentes ou melhores.

As instituições financeiras e as grandes companhias farmacêuticas são demasiado poderosas para que sequer se analisem tais opções, ainda que a ideia dificilmente pareça utópica. Fora da agenda por razões similares também se encontram outras opções economicamente sensatas, como a do imposto às pequenas transações financeiras.

Entretanto, Wall Street recebe regularmente generosos presentes. O Comitê de Atribuições da Câmara de Representantes cortou o orçamento da Comissão de Títulos e Bolsa, a principal barreira contra a fraude financeira. E é pouco provável que sobreviva intacta a Agência de Proteção ao Consumidor.

O Congresso brande outras armas em sua batalha contra as gerações futuras. Apoiada pela oposição republicana à proteção ambiental, a importante companhia de eletricidade American Eletric Power arquivou o principal esforço do país para captar o dióxido de carbono de uma planta atualmente impulsionada por carvão, o que significou um forte golpe às campanhas para reduzir as emissões causadoras do aquecimento global, informou o The New York Times.

Esses golpes auto-aplicados, ainda que sejam cada vez mais potentes, não são uma inovação recente. Datam dos anos 70, quando a política econômica nacional sofreu importantes transformações, que puseram fim ao que se costuma chamar de “época de ouro” do capitalismo de Estado.

Dois importantes elementos desse processo foram a financeirização (o deslocamento das preferências de investimento, da produção industrial para as finanças, os seguros e os bens imobiliários) e a externalização da produção. O triunfo ideológico das doutrinas de livre mercado, muito seletivo como sempre, desferiu mais alguns golpes, que se traduziram em desregulação, regras de administração corporativa que condicionavam as enormes recompensas aos diretores gerais com os benefícios de curto prazo e outras decisões políticas similares.

A concentração resultante da riqueza produz maior poder político, acelerando um círculo vicioso que aportou uma riqueza extraordinária para 1% da população, basicamente diretores gerais de grandes corporações, gerentes de fundos de garantia e similares, enquanto que a maioria das receitas reais praticamente estancou.

Ao mesmo tempo, o custo das eleições disparou para as nuvens, fazendo com que os dois partidos tivessem que escavar mais fundo os bolsos das corporações. O que restava de democracia política foi solapado ainda mais quando ambos partidos recorreram ao leilão de postos diretivos no Congresso, como apontou o economista Thomas Ferguson, no The Financial Times.

Os principais partidos políticos adotaram uma prática das grandes empresas varejistas, como Walmart, Best Buy e Target, escreve Ferguson. Caso único nas legislaturas do mundo desenvolvido, os partidos estadunidenses no Congresso colocam preço em postos chave no processo legislativo. Os legisladores que conseguem mais fundos ao partido são os que indicam os nomes para esses postos.

O resultado, segundo Ferguson, é que os debates se baseiam fortemente na repetição interminável de um punhado de consignas, aprovadas pelos blocos de investidores e grupos de interesse nacionais, dos quais depende a obtenção de recursos. E o país que se dane.

Antes do crack de 2007, do qual foram responsáveis em grande medida, as instituições financeiras posteriores à época de ouro tinham obtido um surpreendente poder econômico, multiplicando por mais de três sua participação nos lucros corporativos. Depois do crack, numerosos economistas começaram a investigar sua função em termos puramente econômicos. Robert Solow, prêmio Nobel de Economia, concluiu que seu efeito poderia ser negativo. Seu êxito aporta muito pouco ou nada à eficiência da economia real, enquanto seus desastres transferem a riqueza dos contribuintes ricos para o setor financeiro.

Ao triturar os restos da democracia política, as instituições financeiras estão lançando as bases para fazer avançar ainda mais este processo letal...enquanto suas vítimas parecem dispostas a sofrer em silêncio.

(*) Professor emérito de lingüística e filosofía do Instituto Tecnológico de Massachusetts. Seu livro mais recente é 9-11: Tenth Anniversary.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 9 de agosto de 2011

EMIR SADER E A NOVA CHINA (3º ARTIGO)



Diário da Nova China (3) - O Império do Meio

Um jornalista amigo italiano, que visitou a China ainda nos anos 50, como líder estudantil, ao se despedir do então ministro de Relações Exteriores, o elegante e esbelto Chouenlai, lhe disse:

-Que bom vir tão longe para conhecer uma experiência tão importante!

Ao que Chouenlai lhe respondeu, laconicamente:

- Longe de que? Eles, que se consideram o Império do Centro.

Claro que ele queria dizer – tendo levado o eurocentrismo na sua bagagem: Longe da Europa. E, com isso, longe da civilização.

E, no entanto, aqui está uma civilização muito mais antiga e mais rica que as europeias. E que hoje demonstra um vigor que a velha Europa se mostra incapaz, para enfrentar seus problemas. A China enfrenta desafios com audácia e persistência.

Os chineses são modestos, trabalhadores, pertinazes. Não querem exportar seu modelo, o sentimento das pessoas é o de que o governo é bom se as pessoas estão melhorando de vida – aí o juízo é claramente positivo sobre governo -, mas reclamam muito da corrupção, dos privilégios de quem está vinculado ao poder e das desigualdades.

Causou grande satisfação a extradição de um chinês que havia fugido, há 12 anos, para o Canadá, depois de ter sido pilhado em enormes casos de corrupção, ao trabalhar na alfândega e ganhar muito dinheiro cobrando para importar mercadorias de luxo. Depois de longas negociações com o governo canadense, ele foi extraditado, está preso e vai responder a processo que, segundo dizem as pessoas, deveriam envolver vários dos seus chefes de então.

Mas o que é certo é que a grande maioria das pessoas tem melhorado de vida, mesmo se em condições de desigualdades entre si. Mesmo a população do campo tem sido beneficiada, depois que o governo passou a protegê-la, além de que o êxodo – legal e ilegal para as cidades – continua. Os choferes de uma frota de 80 triciclos que funciona em um bairro boêmio de Beijing, em torno de um lindo lago, por exemplo, não são sindicalizados, são super explorados pelo dono, mas chegaram do campo e preferem essa condição do que voltar a viver no campo, para onde regressam periodicamente para levar o que ganham.

Moças preferem sair das condições de pobreza e opressão no campo, onde a expectativa das suas famílias costuma ser apenas a de que casem, para trabalhar nas novas cidades emergentes, em fábricas, onde rapidamente melhoram suas condições de vida, diminuindo rapidamente a longa jornada de trabalho e, mudando constantemente de emprego, aumentando seus salários.

Em um processo de rápida ascensão social, é claro que nem todos são beneficiados da mesma maneira. O que mais interessa é que todos tendem a melhorar e que a China tirou da miséria a 300 milhões de pessoas em 3 décadas, o que nunca ocorreu nessa escala em nenhum outro processo histórico. E que esse processo tende a continuar. Quando se fala que a economia chinesa vai diminuir seu ritmo de crescimento de 9 para 7% ao ano – o que, apesar de anunciado no Ocidente, nunca ocorreu até aqui -, é preciso levar em conta que crescer 7% ao ano a partir do elevado patamar de hoje é muito mais do que crescer a 10% vinte anos atrás.

Enquanto isso, a Europa retrocede – na Espanha a emigração supera a imigração, a população diminui – e não tem data para acabar a recessão, os otimistas dizem que a situação vai piorar antes de começar a melhorar.

A China considera que terminou o lapso de dois séculos em que ela foi ultrapassada pela Europa, não por vigor econômico, mas pela superação militar, pelo domínio armado dos mares, que permitiu o colonialismo, a escravidão, que promoveu a hegemonia ocidental. Esse lapso teria terminado e a China se projeta de novo com um futuro que eles consideram glorioso.

sábado, 6 de agosto de 2011

EMIR SADER E A NOVA CHINA (2º ARTIGO)



Diario da Nova China (2) - Beijing no domingo: primeiras impressões

As primeiras impressões na chegada à China – nesta segunda vinda – já são significativas. A primeira dela, o smog que cobre o céu de Beijing, produto da contaminação. O concentrado esforço chinês para dar o salto econômico espetacular após mais de três décadas, apelou para os recursos energéticos de que dispunha, o que trouxe grandes problemas ambientais, hoje uma das preocupações prioritárias do governo chinês.

Por outro lado, as dimensões do aeroporto e o rápido atendimento refletem o esforço chinês para dar conta da chegada de gigantescos continentes de turistas que vem conhecer esta experiência única no mundo. Já seria única por suas próprias dimensões e ritmo, mais ainda porque contrasta fortemente com a recessão profunda e prolongada que se vive na Europa, no EUA e no Japão. Enquanto se é gentilmente atendido pelo funcionário que controla documentação, se pode avaliar o seu desempenho em um aparelhinho que ele não vê.

Chegando a Beijing, depois de trânsito denso, mesmo para um domingo, os espaços enormes das ruas e avenidas, a limpeza destas e a majestosidade dos edifícios, com a sua diversidade de estilos, se impõem. A indústria da construção chinesa é dos fenômenos mais impressionantes. Onde não edifícios, há construções, que trabalham 24 horas por dia. De cada quatro guindastes que se erguem no mundo, três são na China,

Nos domingos os parques são ocupados por idosos que dançam, fazem esporte, correm ou simplesmente conversam e fazem piquenique. Poucas bicicletas sobrevivem de décadas atrás, assim como é raríssimo, senão impossível, ver algum trajando as roupas tradicionais, do estilo de Mao.

Em suma, a China é outra, muito diferente da de três décadas, sobretudo diferente daquela da revolução cultural. A predominância da população rural diminui aceleradamente, havendo cálculos até de que, contando os imigrantes ilegais para os centros urbanos, estes já contenham a maioria da população.

Há um vertiginoso processo de ascensão social, que permite com que 300 milhões de pessoas tenham saída da miséria em três décadas, mas que, ao mesmo tempo, se tenha gerado, uma elite muito rica. O turismo na capital tem um enorme contingente de gente do campo, que provavelmente pela primeira vez, vem conhecer Beijing. (Uma guia que nos foi esperar no aeroporto, bem jovem, veio há apenas 6 meses da Mongólia interior buscar trabalho. Estuda castelhano, que fala ainda de maneira tosca, para buscar emprego, quando então vai encarar o problema da sua legalização, já que evidentemente ela se deslocou sem autorização para a capital.)

Um fenômeno novo, destas dimensões, e que tenta enfrentar problemas que evidentemente outras tentativas, no socialismo, não deram certo, tem primeiro que ser visto, para depois ser analisado. Sigo relatando impressões, para depois discutirmos seu significado.

terça-feira, 19 de julho de 2011

ELIAKIM ARAÚJO DESNUDA O JORNALISMO DE ESGOTO

Eliakim Araujo: O submundo do jornalismo

O escândalo dos grampos telefônicos do jornal londrino News of the World desnuda o submundo do jornalismo sujo e antiético praticado por grandes conglomerados midiáticos e suas ligações com políticos e funcionários dos órgãos de segurança.

Por Eliakim Araujo*

Desta vez, pegaram Rupert Murdoch, o imperador do reino das comunicações. Dono de empresas jornalísticas tão poderosas que governantes, politicos, esportistas e celebridades rendem (ou rendiam) homenagens a ele, não por suas virtudes morais, mas pelo temor de que ele usasse a força de seus jornais e TVs para chantagear e divulgar informações pessoais de suas vítimas. Como fez com o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, cujo filho sofre de fibrose cística, uma informação que a família mantinha em segredo para protegê-lo da curiosidade pública, e que foi covardemente divulgada pelo jornal de Murdoch, graças a uma escuta clandestina.

Os repórteres do tablóide sensacionalista News of the World iam às últimas consequências para conseguirem seu objetivo. Compravam detetives oficiais e particulares, tinham cúmplices dentro da Scotland Yard, que aliás fica muito mal no episódio porque há muitos anos dormem nas gavetas da repartição denúncias de ilegalidades praticadas pelo jornal de Murdoch, que nunca foram seriamente investigadas.

O escândalo só estourou há alguns dias porque o elitista jornal britânico The Guardian, denunciou a história da menina Milly Dowler, sequestrada e assassinada em 2002, cujo correio de voz em seu celular foi grampeado por um investigador a serviço do jornal de Murdoch, na busca por gravações que pudessem chocar os leitores. Como a caixa postal do celular de Milly estava lotada, deletaram gravações antigas, prejudicando assim as investigações policiais.

A estratégia suja e antiética de conseguir notícias exclusivas pode ferir gravemente a estabilidade do grupo empresarial do magnata Rupert Murdoch. Aos 80 anos, o velhinho está em plena forma física. Os que o conhecem dizem que ele adora esse tipo de jornalismo, que espeta, incomoda e humilha suas vítimas e fazem com que ele seja mais temido.

Na Grã-Bretanha, agora, ele está mais sujo que pau de galinheiro. Parece que chegou a hora da caça se voltar contra o caçador. O Parlamento britânico já criou um comitê de investigação que está convocando jornalistas e executivos do jornal News of the World para prestarem depoimento. Dois dos principais executivos das empresas de Murdoch pediram demissão, uma nítida tentativa de oferecer a cabeça de um ou dois em troca do abafamento da crise.

Empresarialmente, o escândalo foi um desastre para Murdoch. Além de perder o News of the World, o lucrativo tablóide dominical que vivia do sensacionalismo barato das escutas telefônicas, o governo britânico aprovou a decisão do Parlamento de bloquear uma importante negociação de Murdoch. Por 12 bilhões de dólares, ele assumiria o controle total da principal emissora por satelite da Grã-Bretanha, a BSkyB, que possui 10 milhões de assinantes.

Mas o inferno astral do velho Murdoch (80 anos) está apenas começando. Há fundadas suspeitas de que o jornalismo sujo praticado por suas empresas em Londres tenha contaminado suas mídias nos Estado Unidos. Já se sabe que os celulares de familiares de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 foram violados. E alguns parlamentares querem saber se os jornais e a TV de Murdoch nos EUA usavam os mesmos recursos ilícitos para conseguirem informações inéditas ou secretas que pudessem usar contra seus adversários politicos.

O senador Jay Rockfeller, democrata de West Virginia, pediu rigorosa investigação em todas as empresas de Murdoch nos EUA, onde ele é dono do Wall Street Journal, do New York Post e da poderosa FoxNews, canal de TV assumidamente direitista, republicano e crítico contundente do Partido Democrata e do presidente Obama. O escândalo dos grampos telefônicos está nas manchetes dos jornais do mundo inteiro, mas a Foxnews não dá uma linha sobre o episódio.

A conclusão que podemos tirar de tanta baixeza praticada em nome do jornalismo é que devemos estar atentos aos grupos midiáticos brasileiros. Quanto maiores, mais poderosos. Quanto mais poderosos, mais temidos pelos governantes. A concentração de grandes empresas de mídia nas mãos de poucas e suspeitas personalidades coloca em risco a saúde do bom jornalismo. É isso que devemos denunciar e é contra isso que devemos lutar.

* Eliakim Araujo ancorou o primeiro canal de notícias em língua portuguesa, a CBS Brasil. Foi âncora dos jornais da Globo, Manchete e do SBT e na Rádio JB foi coordenador e titular de "O Jornal do Brasil Informa". Mora em Pembroke Pines, perto de Miami. Em parceria com Leila Cordeiro, possui uma produtora de vídeos jornalísticos e institucionais.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

QUE (IN)JUSTIÇA É ESSA?

Pobres lotam cadeias, mas grandes entopem os tribunais

publicado em 29/04/2011
Por Marcelo Semer

Na mesma semana em que a polícia divulgou suspeitas que o médico Roger Abdelmassih esteja foragido no Líbano, o ministro Luiz Fux, do STF, negou liberdade a um condenado pelo furto de seis barras de chocolate.

Mesmo reconhecendo o valor ínfimo, Fux rejeitou o trancamento da ação, porque o réu seria "useiro e vezeiro" na prática do crime.

Roger Abdelmassih teve mais sorte. Foi condenado pela Justiça paulista a 278 anos de reclusão, por violências sexuais que teria praticado durante anos contra dezenas de mulheres que buscavam seu consultório para reprodução assistida. Nas férias forenses, ganhou a liberdade em liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes.

Nem tudo está perdido, porém.

O furtador de chocolates não fugiu, e em relação a ele, o direito penal poderá ser aplicado em toda a sua plenitude: um ano e três meses de reclusão. Afinal, por sua reincidência, a insignificância deixou de ser insignificante.

Nos últimos anos, o STF tem sido reputado como o tribunal mais garantista do país no âmbito criminal - o que fez a decisão relatada por Fux chocar ainda mais a comunidade jurídica.

Recentemente, o tribunal tomou uma posição reclamada por doutrinadores, proibindo a decretação da prisão, quando ainda existam recursos pendentes. É com base neste entendimento, por exemplo, que o jornalista Pimenta Neves aguarda solto o desenrolar de seus vários apelos.

A decisão tem justificativa na concepção do processo penal no estado democrático de direito. Todavia, o próprio STF tem sido flexível com este padrão, quando o réu se encontra preso durante o processo. É mais rigoroso, enfim, com quem foi preso desde o início.

Como a "primeira classe do direito penal" raramente é presa em flagrante, na prática acaba sendo a principal beneficiária da jurisprudência liberal.

Um acórdão do STJ fulminou inquérito policial contra empresários e políticos, com o bem fundamentado argumento de que 'denúncia anônima' é ilegítima para justificar a devassa telefônica.

Prisões de centenas de pequenos traficantes país afora, todavia, também costumam ser justificadas por informações obtidas em denúncias anônimas. Por meio delas, policiais revistam suspeitos na rua e pedem buscas e apreensões. Custa crer que a jurisprudência se estenderá a todos eles.

Se as cadeias estão superlotadas de réus pobres, os recursos que entopem nossos tribunais têm uma origem bem diversa.

O Conselho Nacional de Justiça divulgou a lista dos maiores litigantes do Judiciário, onde se encontram basicamente duas grandes espécies: o poder público e os bancos.

Como assinalou o juiz Gerivaldo Neiva, em análise que fez em seu blog (100 maiores litigantes do Brasil: alguma coisa está fora da ordem), os esforços da justiça estariam em grande parte concentrados entre "caloteiros e gananciosos".

Verdade seja dita, o acesso aos tribunais superiores não é apenas protelatório.

Só o Superior Tribunal de Justiça, o "Tribunal da Cidadania", editou nada menos do que quatro súmulas que favorecem diretamente aos bancos, como apontou Neiva. Entre elas a que proíbe o juiz, nos contratos bancários, de considerar uma cláusula abusiva contra o consumidor, se não houver expressamente a alegação no processo.

A decisão, que serve de referência para a jurisprudência nacional, inverte o privilégio criado pelo código do consumidor. Mas a Justiça parece considerar, muitas vezes, que bancos não têm as mesmas obrigações.

O STF, a seu turno, não se mostra tão garantista em outros campos.

Avança na precarização dos direitos trabalhistas, principalmente ao ampliar a aceitação da terceirização. Em relação aos funcionários públicos, destroçou com a força de uma súmula vinculante, a exigência de mero advogado nos processos disciplinares, e com outra a possibilidade de usar o salário mínimo como indexador de adicionais, proibindo ainda o juiz de substitui-lo por qualquer outra referência.

Não há sentido mais igualitário do que o princípio básico da justiça: dar a cada um o que é seu. Regras tradicionais de interpretação das leis privilegiam sempre a equidade. Se tudo isso ainda fosse pouco, a redução das desigualdades é nada menos do que um dos objetivos principais da República.

Por mais que a Justiça julgue cada vez mais e se esforce para julgar cada vez mais rápido, não se pode deixar de lado a questão fundamental da igualdade e com ela a proteção aos direitos fundamentais.

É certo que a sociedade brasileira é profundamente desigual e que a maioria das leis aprofunda esse fosso ao invés de reduzi-lo.

Mas a obrigação de ser o anteparo da injustiça significa também impedir o arbítrio do poderoso, a danosa omissão do mais forte e a procrastinação premeditada do grande devedor.

Temos de entender que o direito existe em função dos homens e não o contrário.

Não há formalismo que possa nos impedir de tutelar a dignidade humana, diante da repressão desproporcional ou da desproteção dos valores mais singelos.

Para que os fortes se sobreponham pela força, a lei da selva sempre foi suficiente.

Deve haver uma razão para que a humanidade a tenha abandonado.

*Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

BIN LADEN - CRIAÇÃO DOS EUA

Como os Estados Unidos criaram o Bin Laden

Ironicamente, a CIA, encarregada de conduzir a operação que liquidou Bin Laden, está estreitamente associada ao surgimento do terrorista. Publicado originalmente no blog Outras Palavras.

Por Antonio Martins
Terça-feira, 3 de maio de 2011

A ordem formal para detonar o último esconderijo de Bin Laden foi dada por Barack Obama na manhã de sexta-feira, informou nesta manhã (2/5) o New York Times. Antes de rumar para o Alabama, onde acompanhou o socorro às vítimas de tornados violentos, o presidente determinou que forças especiais da central de inteligência dos EUA – a CIA desencadeassem o ataque. Instalado numa casa em Abbottabad, a apenas 50 quilômetros da capital do Paquistão, o líder da Al Qaeda teria resistido ao comando que o localizou. Segundo fontes norte-americanas, foi ferido na cabeça e em seguida, estranhamente, sepultado no mar. As circunstâncias exatas da operação ainda são desconhecidas.

Ironicamente, a CIA, encarregada de conduzir a operação que liquidou Bin Laden, está estreitamente associada ao surgimento do terrorista. Pouco se falará a respeito, nos próximos dias, mas tanto o homem de barbas longas e olhar calmo quanto a própria Al Qaeda foram conscientemente criados pelos Estados Unidos, no contexto da disputa contra a União Soviética, na “guerra fria”.

Os fatos estão disponíveis em algumas publicações alternativas norte-americanas, entre as quais destacam-se, o site Z-Net, a revista The Nation. Para esta escreve Robert Fisk, um repórter veterano e especializado em questões de Oriente Médio. Ele fala com a autoridade de quem se encontrou várias vezes, na condição de jornalista, com Bin Laden.

A última delas, conta, foi em 1997, nas montanhas do Afeganistão. Avistou o saudita na pose e nos trajes em que aparece costumeiramente na imprensa ocidental. Roupas afegãs tradicionais, refestelado em sua caverna, ar tranqüilo. Bin Laden aparentou um conhecimento muito superficial sobre a situação do mundo. Atirou-se sobre o jornal que Fisk tinha consigo. Deu a entender que a leitura lhe trazia muitas novidades, mas abandonou a atividade depois de meia hora. Preferiu falar sobre sua crença na proteção que lhe seria assegurada por Alá. Relatou os muitos episódios em que, ao enfrentar os ocupantes soviéticos do Afeganistão, salvou-se porque os foguetes que foram atirados sobre seus esconderijos deixaram de explodir. Afirmou não temer a morte, porque “como muçulmano, acredito que, quando morremos em combate, vamos para o Paraíso”. Mas não deixou, nem por um instante, o abrigo em que se encontrava. Fisk registra: era “uma relíquia dos dias em que combateu os soviéticos: um nicho de oito metros de altura escavado na rocha, à prova até mesmo de ataques de mísseis”.

Em nome da vitória sobre os soviéticos, acordo com os extremistas
Num outro texto — um artigo analítico assinado por Dilip Hiro, intitulado “O custo da ‘vitória’ afegã” The Nation revive as circunstâncias da aliança que acabaria envolvendo Washington e Bin Laden. O cenário é o Afeganistão; a época, a última fase da Guerra Fria. Em 1979, um golpe militar havia levado ao poder grupos ligados à União Soviética (URSS). Anticomunista fervoroso, Zbigniew Brzezinsky, assessor de Segurança Nacional do então presidente Jimmy Carter, vislumbra uma oportunidade de passar da defesa ao ataque. Não quer apenas reinstalar em Kabul um governo aliado ao Ocidente. Pretende disseminar, entre as populações muçulmanas da URSS, um tipo de pensamento religioso capaz de incitá-las ao máximo contra o governo de Moscou. The Nation frisa: havia alternativas, mesmo para os que, como o assessor de Segurança Nacional, estavam empenhados em promover a Guerra Fria. Exitiam no Afeganistão “diversos grupos seculares e nacionalistas opostos aos soviéticos”. Ao invés de apoiá-los, no entanto, a Casa Branca parte para o que julga ser uma cartada genial. Impulsiona as organizações afegãs mais fundamentalistas, reunidas, desde 1983, na Aliança Islâmica do Mujahedin Afegão (IAAM, em inglês).

Os instrutores valorizam ao máximo a guerra santa (Jihad) contra Moscou. A Casa Branca quer matar dois coelhos com uma só paulada. A suposta defesa do islamismo contra os ateus soviéticos serve para consolidar, no Paquistão, o poder de Zia ul-Haq, fiel aliado do Ocidente. O terceiro elo da coalizão é a Arábia Saudita, onde outro governo pró-americano, embora muito rico, necessita de reforço ideológico. Ao longo de alguns anos, os príncipes sauditas serão convidados a “doar” 20 bilhões de dólares para a cruzada da IAAM. Através da CIA, os Estados Unidos comparecerão com mais US$ 20 bi. Os rios de dinheiro verde servirão para recrutar e formar guerrilheiros fanatizados e armá-los até os dentes. Fazem parte de seu arsenal mísseis anti-helicópteros que serão decisivos para enfrentar e vencer tanto o governo pró-URSS quanto as próprias tropas soviéticas, que, em favor de seu aliado, ocuparam o país em 1979.

Um milionário saudita adere a estranhos “lutadores da liberdade”
É esse clima de extremismo e intolerância suscitado por Washington que atrairá o saudita Osama bin Laden ao Afeganistão. No início dos anos 80, quando chegou ao país, ele era apenas o jovem herdeiro milionário de uma família de empresários do ramo da construção. Estava fascinado pela jihad patrocinada pelos EUA. Foi o primeiro saudita a aderir a ela, e levou consigo, ao longo do tempo, pelo menos 4 mil compatriotas. Tornou-se líder dos “voluntários” no Afeganistão. Aproximou-se dos dirigentes do IAAM, que, graças ao apoio recebido da Casa Branca, constituiriam anos depois o governo Taliban. Construiu abrigos reforçados para depósito de armas, participou de ações guerrilheiras. Jamais lhe faltou apoio moral do Ocidente. O repórter Robert Fisk relata: “Estava no Afeganistão em 1980, quando Laden chegou. Ainda tenho minhas notas de reportagem daqueles dias. Elas recordam que os guerilheiros mujahedin queimavam escolas e cortavam as gargantas das professoras, porque o governo tinha decidido formar classes mistas, com meninos e meninas. O Times de Londres os chamava de ‘lutadores da liberdade’. Mais tarde, quando os mujahedins derrubaram (com um míssil inglês Blowpipe) um avião civil afegão com tripulação e 49 passageiros, o mesmo jornal os chamou de ‘rebeldes’. Estranhamente, a palavra ‘terroristas’ nunca foi usada para qualificá-los”

A partir de 1989, com o colapso do governo pró-soviético no Afeganistão e da própria União Soviética, os “voluntários” começaram a voltar a seus países. Ao retornarem ao mundo árabe, explica Dilip Hiro, formaram um grupo à parte, que se tornou conhecido como os “afegãos”. Tinham marcas muito características. A intolerância e o desprezo pela vida humana eram os mesmos cultivados sob comando e por determinação consciente dos Estados Unidos. Haviam adquirido, nos anos da luta anti-soviética, alta capacitação em práticas terroristas. Eram, contudo, menos inexperientes do ponto de vista político. Passaram a observar que países como a Arábia Saudita e o Egito eram governados por elites tão submissas aos Estados Unidos quanto era subordinado aos soviéticos o governo afegão contra o qual lutaram.


A cobra volta-se contra o ninho em que se criou
A guerra do Golfo os voltou de vez contra Washington. Encerrada a campanha contra o Iraque, em 1991, a Casa Branca descumpriu a promessa de retirar da Arábia Saudita — país onde estão as cidades sagradas de Meca e Medina — as bases militares e os milhares de soldados mobilizados contra Saddan Hussein. Bin Laden e seus liderados lembraram que isso contraria a Sharia , lei islâmica. Em 1993, o rei Fahd, talvez o mais fiel aliado dos EUA no mundo árabe, ainda cortejou o milionário, chegando a ponto de nomeá-lo para um Conselho Consultivo real. Em 94, depois de novos desentendimentos, Bin Laden foi expulso da Arábia Saudita. Em 96, declarou uma jihad contra a presença norte-americana no país. Afirmou então que “expulsar o ocupante americano é o mais importante dever dos muçulmanos, depois do dever da crença em Deus”. Dois anos depois, uma declaração conjunta assinada por uma frente de organizações fundamentalistas formada por Bin Laden exortava: “A determinação de matar os americanos e seus aliados — civis e militares — é um dever individual para todo muçulmano que possa fazê-lo em qualquer país onde isso for possível, com objetivo de libertar de suas garras a Mesquita de Al-Aqsa [em Jerusalém] e a Mesquita Sagrada [Meca]. Isso está em consonância com as palavras de Deus todo poderoso”.

Em seu relato para The Nation, Robert Fisk lembra que Bin Laden não é o primeiro aliado com quem a Casa Branca se relaciona intimamente durante certo tempo, para mais tarde, quando já não necessita de seus serviços, acusá-lo — com ou sem motivos — de terrorista. Ele cita os casos de Saddan Hussein, visto como herói quando atacou com armas químicas o Irã; ou de Iasser Arafat, considerado “super-terrorista” quando liderava a luta pela libertação da Palestina e mais tarde “respeitável homem de Estado”, ao firmar com Israel acordos de paz jamais cumpridos.

Bastaria olhar para a América Latina para encontrar outros múltiplos exemplos de relações privilegiadas entre Washington e terroristas, praticantes de golpes de Estado, governantes tirânicos, corruptos, torturadores. Num outro sentido, menos direto, porém mais ameaçador, a aliança com o terror está, aliás, sendo reeditada neste exato momento. Bin Laden usa a opressão dos EUA e de Israel contra o mundo árabe como pretexto para justificar sua intolerância e atos criminosos. Todas as declarações dos governantes norte-americanos feitas após os atentados de 11 de setembro indicam que a Casa Branca pretendem apoiar-se no risco real do terror para desencadear uma ofensiva militar e política que, se não for barrada, transformará o planeta num local muito mais violento, antidemocrático e desigual. Talvez por isso, as sociedades tenham o direito de dizer que, contra a barbárie dos extremistas e do Império, a única saída é a construção de um mundo novo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A QUESTÃO DA ÁGUA É QUESTÃO DE VIDA



Especialista brasileiro premiado por atuação em hidrologia diz que gestão da água no Brasil é ruim

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Referência mundial na pesquisa científica sobre recursos hídricos, Carlos Eduardo Morelli Tucci, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e engenheiro civil por formação, anda às voltas na identificação dos principais problemas de recursos hídricos no Brasil. Para isso, tem entrevistado gestores e especialistas e já pode esboçar algumas estatísticas: do que se usa de água no país, só 15% têm tratamento, eliminação de impurezas.

E mais: o tratamento de esgoto deve chegar a 40% da água usada para esse fim. A falta de tratamento é o que mais afeta a disponibilidade hídrica, segundo Tucci, porque o esgoto contamina os próprios mananciais de abastecimento de água. Ele enfatiza: esse é um problema de governo. Afinal, água sem tratamento que volta para os rios traduz-se em doenças, principalmente quando ocorrem enchentes. Além disso, Tucci lembra: o mundo caminha para uma urbanização perto dos 70%. "A gestão urbana é a grande questão brasileira. Oitenta e oito por cento da população brasileira é urbana", destaca o pesquisador.

Em julho, ele receberá o International Hydrology Prize 2011, por sua contribuição à ciência e à prática de hidrologia. O prêmio é outorgado anualmente pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Organização Meteorológica Mundial (WMO) e a Associação Internacional de Ciências Hidrológicas (IAHS). A premiação será entregue em Melbourne, na Austrália.

O pesquisador tem quase 500 artigos científicos publicados e é consultor do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nesta entrevista, Tucci fala à Agência Brasil sobre os problemas urbanos, em especial, da falta de tratamento de esgoto e dos problemas de gestão da água. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil – O Brasil tem um quinto água doce do mundo, mas há lugares no país em que a própria rede desperdiça 70% da água encanada. Essa é mais uma contradição nacional?
Carlos Tucci – Um país com perdas eficientes fica abaixo de 15%. A perda da ordem de 15% é considerada boa. Entre os países em desenvolvimento, a maioria está entre 36% e 40%. Isso depende muitas vezes da pressão, da topografia etc. Grande parte das perdas são [perdas] físicas. Nos condutos e sistemas que ficam velhos, é mais caro encontrar o vazamento do que fazer uma nova rede. Isso só ocorre quando há falta de água e os novos mananciais estão muito distantes e muito caros, aí começa haver uma preocupação em tornar o sistema mais eficiente. Como nós não cobramos pelo uso da água, ela é utilizada sem custos [abaixo do valor econômico], então não há busca pela eficiência. Há uma outra questão bem institucional. As empresas abastecedoras não são eficientes. Isso tem a ver com o fato de serem monopólios. O preço da água é subsidiado porque o Estado paga para a empresa mesmo que ela esteja funcionando mal. Ou então a empresa pode corrigir o preço da água como ela quiser. Ela não tem metas de eficiência. Este é o ponto fundamental, em que você poderia fazer reduzir perda.

ABr – Já existe engenharia em outros países para a criação de redes paralelas de reuso de água e reaproveitamento na própria residência. Por que isso é incipiente no Brasil?
Tucci – Tem “n” possibilidades de você aumentar a eficiência do sistema, mas o que adianta melhorar a eficiência nas residências, se a rede está perdendo grande quantidade de rede de água? O reuso é interessante, mas o reuso tem que ter alguns cuidados básicos, não pode reutilizar toda a água, por que ela é contaminada.

ABr – Há tecnologia e gente qualificada para fazer os sistemas de água mais eficientes?
Tucci – O Brasil tem um expressivo número de pesquisadores na área. Houve um investimento significativo na formação de pessoal no exterior. O Brasil formou um grande número de profissionais bastantes atualizados, o que, evidentemente, não quer dizer que tudo isso chegou à parte prática. Esse é um dos grandes desafios da ciência e da tecnologia: fazer com que o conhecimento adquirido se torne não um bem pessoal, mas um conhecimento adquirido para a sociedade.

ABr – O senhor já reclamou publicamente da burocracia para fazer pesquisa. Por quê?
Tucci – Parece que todo brasileiro é ladrão até que se prove o contrário. Só para se ter uma ideia, eu estou voltando a fazer o que fazia com 13 anos. Com aquela idade, eu ia ao banco, levava papéis. Agora, como coordenador de pesquisa, no nível máximo, eu sou obrigado a fazer o cheque de cada estudante bolsista. Na prestação de contas, não aceitam os extratos tirados na internet e, como eu não posso ter cartão, porque a conta não permite ter cartão, eu tenho que ir ao banco toda hora para tirar extrato assinado pelo banco. Quer dizer, isso, se você não está dizendo que todo mundo é ladrão, o que é? O país está perdendo com isso. Então, é uma burocracia insana e eu acho que nós vivemos numa era macartista [período que foi do final da década de 40 a meados da década de 50, em que os americanos eram perseguidos politicamente, acusados de serem comunistas]. Nós temos que provar todo dia que somos inocentes. Quando sai uma corrupção no andar de cima, todo o restante da sociedade paga por isso, em burocracia.

ABr – Voltando à água, como mudar a cultura do desperdício?
Tucci – Eu estou fazendo várias entrevistas [com gestores e especialistas] para identificar quais os principais problemas de recursos hídricos no Brasil e praticamente todos respondem a mesma coisa: falta de tratamento de esgoto. A falta de tratamento é o que mais retira disponibilidade hídrica, porque o esgoto contamina os próprios mananciais de abastecimento de água. O tratamento é menos do que 40%! As estatísticas são pouco confiáveis. Quando se diz que coleta de esgoto é de tanto, não significa que é tratado. Então ao coletar, o esgoto continua poluindo. Nas minhas contas, daquilo que nós usamos de água, tratamos e eliminamos as impurezas na ordem de 15% ou, no máximo, 20%. Isso é um problema de governo, de estabelecer o que vamos atingir em tal ano. É preciso estabelecer um plano estratégico para o tratamento de esgoto que defina o que vai ser feito: vou pegar as cidades menores; vou pegar as cidades maiores; onde eu vou incentivar as empresas para fazer tratamento de esgoto? Elas já cobram pelo esgoto na hora que coletam, então para que vão fazer tratamento?

ABr – Como assim?
Tucci – Elas cobram tudo que precisam cobrar de esgoto só por coletar, sem tratar. Está tudo errado nesse ponto.

ABr – Podemos dizer, então, que o Brasil domina apenas a tecnologia de transportar esgoto?
Tucci – Não faz tratamento, faz pouco tratamento. E, na grande parte do Brasil, nem transportar faz, eles jogam o esgoto na drenagem. Além de destruir o sistema de drenagem, cria outros problemas.

ABr – A consequência disso é a prevalência de doenças...
Tucci – Sem dúvida nenhuma. Há aí um potencial de doenças, principalmente quando inunda, mistura tudo e atinge as pessoas, como a leptospirose. Há outras doenças que vêm com a própria água pluvial [da chuva], que tem uma grande contaminação de metais, por causa da lavagem da superfície urbana.

ABr – O que está previsto no Programa de Aceleração do Crescimento [PAC] não é suficiente?
Tucci – Eu não conheço todos os detalhes dos investimentos [do PAC], mas me parece que são feitos por demandas específicas do município. Na minha opinião, deveria ser num plano estratégico nacional em que priorizassem a despoluição de determinadas cidades. O saneamento tem que começar do rio para a cidade e não da cidade para o rio. Ou seja, se define o que o rio precisa para estar despoluído e define o nível de tratamento que tem que ter a cidade, para reduzir, para chegar àquela meta de tratamento.

ABr – O governo [federal] já criticou os municípios pela falta de projetos dizendo que não faltam recursos...
Tucci – Sim, mas falta projeto porque o governo trabalha como se fosse um banco. Você acha que todos os municípios têm qualificação para fazer os seus projetos?

ABr – Como o senhor disse, mesmo que os municípios tenham qualificação, as companhias não ter ão interesse...
Tucci – Muitas vezes não têm. Em um programa estratégico, há capacitação, criação de incentivos econômicos. Você não pode sentar lá como se fosse um banco e falar assim: “estou aqui, vocês venham buscar dinheiro”. O sistema não funciona assim. Além disso, as obras do PAC geralmente são para canalização e só canalização aumenta o problema.

ABr – Por quê?
Tucci – Porque quando se canaliza, se transfere a enchente de um lugar para outro e com muito maior vazão. Aumenta a vazão e os custos geralmente sobem de seis a dez vezes.

ABr – O senhor pode explicar melhor?
Tucci – Por exemplo, há um local que está inundando, aí você canaliza. Essa vazão canalizada foi ampliada, só que, no rio abaixo, não houve ampliação da capacidade de recepção, então vai inundar mais abaixo. O custo de você canalizar toda a cidade é muito alto. No mundo inteiro, desde os anos 1970 não se faz mais isso.

ABr – O que fazer, então?
Tucci – Você tem que tirar o esgoto, dar uma solução para o lixo e fazer uma recuperação ambiental da área. Tem que ter terra e mecanismos de sustentabilidade. Em Seul [Coreia do Sul], um candidato a prefeito chegou em uma área que estava toda coberta de concreto. Tinha viaduto por cima, completamente fechado e ele prometeu que ia recuperar aquela área. Aí, ele ganhou a eleição. Em seis meses, eles fizeram um projeto de receptação do esgoto, retiraram todo viaduto do concreto de cima, porque não se pode admitir mais hoje fechar um rio. Isso é inadmissível ambientalmente! O prefeito recuperou tudo isso, arrumou o tráfego, pôs o transporte em gestão integrada e criou mecanismos de amortecimento de certos sistemas e tornou aquela área ambiental. Hoje , ele é o presidente da República da Coreia do Sul [Lee Myung-bak]. Isso dá voto também. Tem que haver uma busca de solução integrada: tirar o lixo, tirar o esgoto, amortecer o escoamento e fazer com que a água melhore de qualidade. Junto ainda, tem o tráfego e a urbanização. A gestão urbana é a grande questão brasileira. Oitenta e oito por cento da população brasileira é urbana e está ocupando 0,3% a 0,4% da superfície do país. Imagina o que é uma demanda de recursos naturais em um pouco espaço, imagine o caos que vai se formando...

ABr – A solução é desconcentrar a população e interiorizar o país?
Tucci – Isso não tem reversão. É a economia moderna, nós saímos da agricultura para a indústria. É o mundo dos serviços e os serviços estão nas cidades, o mundo vai chegar, em 2050, com 70% da população urbana, que hoje está em 50%. Todo mundo que nascer daqui para frente vai para a cidade e sem contar com os que vêm do campo, devemos ter uma distribuição urbana maior.


Edição: Lana Cristina


sexta-feira, 15 de abril de 2011

EMIR SADER AVALIA O INÍCIO DO GOVERNO DILMA


Emir Sader: o cenário inicial do governo Dilma

Os 100 dias podem ser representativos ou não de um governo. Pela primeira vez temos uma presidenta eleita como sucessora e não como oposição, dando continuidade a um governo de sucesso sem precedentes na história politica brasileira e ao maior líder popular do país depois de Getúlio Vargas.

por Emir Sader, em seu blog na Carta Maior

A posse de FHC chegou a ser saudada pelo principal órgão tucano na imprensa com um caderno especial que anunciava a “Era FHC” – deferência que Lula que, sim, instaurou uma nova era no país, não recebeu – e que se perdeu na intranscendência, quando foi ficando claro que FHC era apenas o capitulo nacional dos presidentes neoliberais da região, acompanhando a Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez, Salinas de Gortari, entre outros, no fracasso e na derrota.

O balanço dos 100 primeiros dias de Lula prenunciava as armadilhas em que cairiam seus críticos, tanto à direita, como à esquerda. Os primeiros buscaram desconstruir sua imagem de representante do movimento popular, dando ênfase à continuidade e à dissolução assim das novidades tanto tempo anunciadas pelo PT, especialmente a prioridade do social. Os críticos de esquerda se apressaram, numa linha similar, a dissolver o governo Lula num continuismo coerente com o governo neoliberal de FHC, apelando para os tradicionais epítetos de “traição”, ”capitulação”, ”conciliação”. O governo Lula estava condenado, pelas duas versões, já nos seus primeiros 100 dias.

O enigma Lula – título do capitulo do meu livro “A nova toupeira” que analisa o "decifra-me ou te devoro" em que constituiu Lula para seus adversários – não tardaria em descolocar esses críticos de direita e de ultraesquerda e derrotar a ambos. Não por acaso na sua sucessão ambos se aliaram contra ele, seja pela força popular que este havia adquirido, seja porque disputavam os supostos méritos de derrota-lo pela campanha de denuncias.

Ambos foram derrotados, quando ficou claro que os 100 primeiros dias eram transição da “herança maldita” – uma espécie de acumulação primitiva – para a geração das condições de um modelo econômico e social de retomada do desenvolvimento e de distribuição de renda, que responderia pelo sucesso inquestionável dos dois governos Lula.

Os 100 dias do governo Dilma são inéditos, por serem continuidade de um governo e de uma liderança de sucesso inéditos no Brasil e, de alguma forma (como apontou Perry Anderson em seu artigo sobre O Brasil de Lula, na London Review of Books), no mundo. Discutia-se, há alguns meses, o que seria o pós-Lula: se o oportunismo de Serra ou o “poste” da Dilma. Nem um, nem outro.

Da mesma forma que a anunciada ruptura de Lula em relação a FHC fez com que se pusesse a ênfase nos elementos de continuidade , deixando de lado as rupturas na politica internacional – com a consequente e transcendental reinserção do Brasil no campo internacional – e as novas politicas sociais que começavam a se esboçar e a ganhar prioridade -, agora se busca destacar as diferenças. Os dois enfoques se equivocaram e se equivocam: o governo Lula não foi continuidade do governo FHC e o governo Dilma não é de ruptura em relação ao governo Lula.

Os elementos essenciais do governo Lula se mantem e se reforçam com Dilma: o modelo econômico e social sofre as adequações que o próprio Lula teria feito, a partir de elementos novos, como a conjuntura econômica internacional, com os fatores cambiários em continuidade com o peso que foram tendo ao longo dos últimos dois anos, em particular. O governo busca enfrentar seus desafios, na estreita ponte entre evitar o descontrole inflacionário, sem aprofundar os desequilíbrios na balança comercial, circunstância que tem no manejo da taxa de juros e de outros instrumentos contra a valorização excessiva da moeda suas difíceis alavancas. O governo Lula não teria feito nada de muito diferente, não por acaso há continuidade nos cargos econômicos, até com maior homogeneidade, pelas mudanças no Banco Central.

Da mesma forma que as politicas sociais preservam seu papel central no modelo que articula o eixo fundamental do governo: desenvolvimento com combate às desigualdades sociais. O PAC continua blindado aos ajustes orçamentários, mantendo seu papel de motor geral do governo na continuidade da expansão econômica e do resgate da pobreza e da miséria no plano social. As adequações do núcleo central do governo melhoraram a harmonia e a capacidade de gestão do eixo essencial que dá continuidade às realizações do governo Lula.

As mudanças tem que ser abordadas no seu marco específico. As da área da saúde se destacam como claramente positivas e dinamizadoras naquele que é um dos problemas sociais mais graves do país – a saúde pública. A Secretaria de Direitos Humanos , em continuidade com o mandato anterior, ganha nova dimensão e capacidade de iniciativa, que a projeta para o centro dos objetivos políticos do governo, com a Comissão da Verdade. O IPEA, felizmente, dá continuidade ao extraordinário trabalho que vinha desenvolvendo. O Ministério das Comunicações, por sua vez, passa a integrar-se nos objetivos fundamentais do governo, assumindo tarefas essenciais na democratização das comunicações no país.

Os problemas – que abordaremos em artigo posterior – têm que ser abordados neste marco: o da continuidade do governo Dilma com o governo Lula, para não se perder em visões impressionantes, ou que isolem aspectos parciais da totalidade do governo ou que se deixem levar por fáceis abordagens jornalísticas – que costumam cair na visão descritiva, nas aparências, sem capacidade de analise politica de fundo e na proporção de vida, das questões.

Os problemas – para enunciá-los já – residem na área econômica: nas dificuldades das medidas de adequação, sem colocar em risco os objetivos centrais do governo. Nas condições socais de realização das obras do PAC – os problemas sociais mais graves que o governo enfrenta. Nos matizes da politica internacional. E na politica cultural.

Mas o principal avanço do governo Dilma está na sua capacidade de ampliar o potencial hegemônico do governo, isto é, de manter o eixo essencial das politicas que marcaram o governo Lula, em um marco de alianças e de legitimidade social e politica mais ampla, estendendo a capacidade de diálogo e interlocução com outros setores sociais – como a classe média –, assim como com a oposição. Nisso consiste a arte essencial da construção de alternativas ao neoliberalismo: avançar em um modelo alternativo, garantindo as condições econômicas, sociais, politicas e culturais de sua reprodução e consolidação. Uma disputa hegemônica em que o governo Dilma herda não apenas um país muito melhor daquele que Lula herdou há 8 anos atrás, mas uma direita enfraquecida, derrota e desmoralizada, tanto no seu vetor politico partidário, como no midiático.

É esse o cenário em que deve ser avaliado o governo Dilma, nos seus avanços e nos problemas que têm pela frente, nos seus milhares de outros dias.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

FSM 2011 SENEGAL - A LEMBRANÇA DA ESCRAVIDÃO E A HISTÓRIA VIVA

CIRANDA: Saída para as Américas

Vanessa Silva é comunicadora e integra a Ciranda da Comunicação, que participa do Forum Social Mundial, em Dacar (Senegal). Abaixo, reproduzimos o relato da jovem, que esteve em Gorée, ilha que abriga a "Maison des Esclaves", local onde se vendiam e compravam escravos.
Por Vanessa Silva - Ciranda da Comunicação
Domingo, 6 de fevereiro de 2011

Nossa equipe de comunicação do FSM 2011 visitou Gorée, uma pequena ilha a este de Dakar. Andávamos tranquilamente tentando achar o local onde estava acontecendo a leitura da carta mundial dos imigrantes. Hilde e eu fomos abordadas pelos vendedores do lugar, o comercio é bem intenso. Sem querer, entramos na “casa dos escravos”. Saí da porta, pois cobravam 500CFAS para entrar, fomos atrás de nossas amigas cirandeiras.

Mesmo sem querer paguei, pois achei ruim ter que pagar para ver de onde meus ancestrais vieram. Logo imaginei que era um lugar difícil. Não que eu não me importe com isso, mas seria uma dor terrível, e eu realmente não gosto de sentir dor.

Mas... a "Maison des Esclaves" foi construída nos anos 1780 é o edifício histórico da ilha que melhor representa a tragédia da diáspora africana. Neste local, (o último dos centros de comércio de escravos da ilha) hoje em dia um museu, os escravos, chegados de outras partes do Senegal, eram contados, pesados e separados por idade, sexo e condição física antes de serem embarcados. Nossa guia foi Rita Freire da Ciranda, pois para ter uma visita guiada deveríamos pagar, como Rita já conhece o lugar, nos apresentou.

No piso térreo, passado o portão de entrada chega-se a um pátio rodeado das celas onde os escravos eram aprisionados. Nos fundos, abre-se uma porta sobre o mar, a porta da "viagem sem volta", sobre o ponto onde levavam os escravos até aos barcos ancorados ao largo ou, na opinião de alguns historiadores para atirar ao mar os cadáveres dos que não resistiam ao período de cativeiro. No andar superior, hoje um museu, era o local onde se negociava compra e venda de escravos.

Como falei anteriormente, seria uma visita bem difícil, mas o mais chocante foi ver a “Gde Cellule des Recalcitrants”, um lugar minúsculo onde possivelmente um negro rebelde ficava quando não aceitava o cativeiro, as outras celas medem em torno de 2,60 por 2,60 metros e mantinham varias pessoas com pescoços e pulsos acorrentados. As condições eram precárias , as salas possuem apenas uma fresta de poucos centímetros para ventilação, comecei a imaginar quão duro e terrível foi esse período, mas não sinto dor, sinto ódio, palavra também bem difícil de usar, mas não posso negar...tentei ficar bem o resto o dia, e possivelmente o resto da viagem, pois nem tudo é assim tão terrível em gorée, lá vivesse intensamente, mas o presente, o ambiente fora da "maison des esclaves" é feliz e relaxado.

A ilha é pequena em tamanho mas tem muitas historias para contar. Em Gorée não há asfalto nem carros. As antigas casas senhoriais têm varandas e pátios ajardinados, e na praça - a única que vi - existem bancos de madeira onde se pode descansar á sombra dos baobás. Por toda a ilha artesãos e artistas expõem o seu trabalho, é como uma enorme galeria de arte ao ar livre. Sem o caos de Dakar, com tantos carros e pessoas andando nas ruas, podemos ver e negociar com calma as obras.

Nesse momento o grupo já havia se separado novamente, e lá estávamos Hilde e eu andando sem compromisso pela ilha, subimos até as ruínas de um forte onde aconteceram varias guerras pela tomada destas terras. Eram portugueses, espanhóis, holandeses, todos brigando pela ilha.

Foi impressionante, uma grande árvore de ferro serve de poste para colocar as antenas de telefonia e internet, um grande coqueiro faz a comunicação de Gorée.

Voltamos para o centro da ilha e chegamos no final de uma apresentação do grupo África Djambe, na espera do próximo barco nos reunimos numa grande mesa para apreciar uma bebida local, chegamos em Dakar em tempo de jantar, descansar e pensar no próximo dia.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

EDINHO SILVA FALA SOBRE SAÚDE


Inovar na saúde, fortalecer o SUS

O presidente do PT-SP e deputado estadual, Edinho Silva, analisa a instituição de indicadores que medem a qualidade e a eficiência dos investimentos na saúde, como mecanismos importantes para consolidar a saúde pública nos municípios.

Por Edinho Silva

Sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A instituição de um indicador nacional de aferição da qualidade dos serviços prestados à população por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), defendido pelo ministro da pasta, Alexandre Padilha, representa uma importante iniciativa do Governo Dilma para fortalecer a saúde pública no país.

Enquanto prefeito, sempre ressaltei a necessidade de criação de um outro modelo de remuneração do SUS na gestão tripartite (município, estado e União), com a formulação de novas regras na composição do teto financeiro que valorizasse e priorizasse os investimentos na saúde básica, preventiva. Penso que a criação de um indicador que meça a eficiência dos investimentos em saúde anunciada recentemente pelo Ministro Padilha vai ao encontro dessa proposta que, por diversas vezes, defendi junto a ele quando ainda ocupava o Ministério das Relações Institucionais do Governo Lula.

Durante meu governo na Prefeitura de Araraquara (2001-2008), os indicadores de saúde do município registraram significativa melhora por conta do forte investimento em infraestrutura e programas de atenção à saúde básica.

No entanto, não tivemos nenhum aumento real na composição do teto financeiro da saúde no município, embora Araraquara se destacasse na comparação de seus índices com os de outras cidades do mesmo porte, que contraditoriamente, foram beneficiadas. Isso significa que os investimentos realizados na saúde preventiva em Araraquara oneraram o orçamento próprio do município sem que houvesse qualquer incentivo por parte do estado e/ou União, devido ao atual modelo de gestão e custeio do SUS.

Os resultados positivos em Araraquara foram alcançados com a elevação do orçamento da saúde de R$ 36 milhões para R$ 91 milhões em oito anos. Os números apontam que o gasto em saúde por habitante passou de R$ 209 para R$ 358 no mesmo período, por conta da ampliação da estrutura de atendimento, inclusive, exames, cirurgias, medicamentos, e da contratação de servidores para a rede básica e programas. Com isso, o número de pessoas atendidas no Programa Saúde da Família passou de 3 mil para 54 mil durante o governo.

O programa de atenção aos diabéticos, por exemplo, cresceu 86%, passando de 2.355 pessoas atendidas em 2000 para 4.383 em 2008. Já o atendimento às pessoas hipertensas passou de 7.242 para 12.829, um crescimento de 77%.

No mesmo período, foram realizadas 85.786 consultas para 8.685 gestantes (média de 9,8 consultas para cada uma, quando o preconizado pelas autoridades ligadas à saúde é de sete consultas). Ao mesmo tempo, houve redução de 6% para 1,8% entre 2003 e 2005 da incidência de desnutrição infantil em crianças de zero a dois anos de idade. Já o programa de atenção às adolescentes na rede básica de saúde conseguiu reduzir de 20,44% para 14,28% o índice de gravidez precoce.

Investir em prevenção significa, lá na frente, reduzir a conta da saúde de alto custo. Em Araraquara, entre 2000 e 2007, o número de internações via SUS na cidade caiu 48%, de 12.643 para 7.268. Além do fortalecimento dos programas, conta-se também para esse resultado o aumento do grau de resolutividade nas unidades básicas, especializadas e de Pronto-Atendimento (o nosso Pronto-Socorro do Melhado foi considerado pelo Ministério da Saúde como o mais moderno e equipado do interior do estado).

Seria lógico que com os investimentos na saúde básica tivéssemos mais recursos para exames (suporte para a elaboração de diagnóstico), medicamentos (fortalecimentos dos programas), e para as cirurgias eletivas. Porém, o custo foi totalmente arcado pelo próprio município.

É claro que todos os municípios devem merecer atenção e têm o direito de defender mais repasses aos serviços de saúde, porém, o melhor desempenho daqueles que se dedicam à prevenção precisa e deve ser reconhecido. Com o incremento do teto financeiro dos municípios que valorizam a prevenção, uma verdadeira reforma ocorrerá tendo como sujeitos dessa transformação as cidades brasileiras, ou seja, a estrutura básica do sistema SUS.

No início, o mecanismo proposto pelo ministro Alexandre Padilha, pode até elevar os gastos/investimentos com a saúde, entretanto, o ganho virá no médio e longo prazo, evidenciado pela melhora dos indicadores nacionais na área. O caso recente da redução da incidência de cáries entre as crianças brasileiras, destacado pela Organização Mundial da Saúde, resultado dos investimentos federais no programa Brasil Sorridente (“menina dos olhos” do Presidente Lula), confirma que dedicação à atenção básica vale à pena. Não há dúvida: prevenir custa menos que remediar.

Parabéns para à presidenta Dilma que inicia o seu governo inovando na área mais difícil de ser gerenciada das políticas públicas. O fortalecimento do SUS exige coragem.

Edinho Silva foi prefeito de Araraquara (2001 a 2008), é deputado estadual e presidente do PT no Estado de São Paulo