A conclusão é do jornalista especializado em economia Luis Nassif, em sua análise sobre a disputa presidencial deste ano e, sobretudo, da campanha suja explorada pela oposição e seu candidato derrotado José Serra (PSDB-DEM-PPS) em 2010.
Em uma avaliação suscinta, nesta entrevista, Nassif aponta o que deve ser mudado no panorama econômico do país, em especial nas áreas de câmbio e juros. Traça, também, um perfil da mídia brasileira no decorrer dos últimos anos e do papel lamentável a que se prestam alguns jornalistas.
Para Nassif, a imprensa hoje é linha auxiliar de partidos políticos, uma realidade que pode e deve ser combatida com concorrência e, sobretudo, um marco regulatório para que direitos elementares, como o de resposta, sejam garantidos à sociedade.
Um dos blogueiros mais respeitados do país (acesse o blog do Nassif), ganhador de vários prêmios, como o de "Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita" dado pelo site Comunique-se em 2003 e 2005, Nassif também fala da força da Internet hoje em termos da liberdade de imprensa e de garantia de maior democracia.
[ Dirceu ] Nassif, gostaria que você fizesse um balanço da campanha eleitoral deste ano, em especial, do papel assumido pela oposição ao governo Lula e pelo candidato derrotado nas urnas, José Serra.
[ Nassif ] Do ponto de vista estratégico, a partir do momento em que ficou claro o projeto político e econômico do governo Lula, de somar todas as forças, solucionar os conflitos entre as classes e priorizar o desenvolvimentismo, a oposição ficou absolutamente sem discurso. E a crise de 2008 foi fundamental para isso.
Eles entraram na campanha com certa unidade em torno de questões como o aparelhamento e a redução do Estado. Um discurso do ideário neoliberal, vazio, mas tido como aglutinador das “bandeiras” da oposição. Este poderia ter sido o contraponto ao projeto do governo. Mas, a partir do momento em que José Serra assumiu a candidatura oposicionista, não se tem mais oposição, apenas impulsos. Serra tornou-se uma biruta de aeroporto. A impressão que dá é que ele hibernou no começo dos anos 90 e somente agora acordou. Ele não tem nenhuma proposta inovadora e nenhum tema. A única questão apresentada - e que não é dele, é coletiva – foi a da política do câmbio. Mas nem esta o Serra soube desenvolver.
Assassinato de reputações
Sem discurso e incapaz de se posicionar no Centro-Direita - que lhe seria o mais adequado – o tucano partiu para a única coisa eficiente feita por eles nesta disputa: a campanha pela internet. Apesar de, com ela, ter estigmatizado toda a oposição. Um grupo de franco atiradores começou a ser montado há quatro anos para isso. Na realidade, um partido de milicianos de Santa Catarina, que já tinha uma estrutura a oferecer, foi o responsável por uma das páginas mais sujas da história política brasileira, de ataques difamatórios e tentativas explícitas de assassinato de reputações.
Não é à toa que quando terminou a eleição, a grande preocupação não foi com a oposição, mas como reconstruí-la. Oposição é fundamental em qualquer governo, desde que seja legítima. O mal que o Serra fez à oposição brasileira é imensurável. Ela levará anos para se refazer.
Reforma para dar eficiência ao Estado
[ Dirceu ] A vitória da presidente eleita Dilma Rousseff ocorreu com o compromisso de que ela dará continuidade ao modelo de desenvolvimento implantado pelo governo Lula. Na sua visão, o que deve continuar e o que deve mudar já?
[ Nassif ] Nos últimos anos, tivemos mudanças importantes na ação federativa. Havia alguns insights no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, de como montar políticas ouvindo todas as partes. Com o PAC, o programa "Minha Casa, Minha Vida" e o trabalho no saneamento etc, conseguiu-se montar um modelo federativo com projetos que se aplicam independentes de questões partidárias.
Agora, precisamos de uma reforma para dar eficiência administrativa ao Estado. Se pegarmos a estrutura pública, ao longo dos últimos oito anos, vemos que houve uma reconstrução de estruturas técnicas. Por ser tudo gambiarra, elas se concentravam na Casa Civil, até para ter efetividade nas ações. Precisamos, portanto, de uma reforma moderna do Estado, à semelhança do que [Nelson] Rockefeller fez nos Estados Unidos nos anos 50. Este é o primeiro ponto.
O segundo ponto, sem dúvidas, é o Banco Central. Mudar essa ideia de termos quatro anos para reduzir a relação dívida/PIB. Até porque a equipe [econômica] para reduzir os juros vai ser atropelada pelos fatos. A minha esperança é que o discurso de que tudo será gradativo seja simplesmente tático, porque você não pode anunciar previamente o que será feito, já que a área é nervosa. Mas, reduzir mais rapidamente essa relação dívida/PIB é fundamental. A herança maldita do governo FHC para o governo Lula foi o desastre da desindustrialização; já a do Lula para o governo Dilma é a manutenção desta política cambial. Todos os avanços que tivemos foram fantásticos, mas esta questão atrasou o Brasil em quinze anos, no mínimo.
[ Dirceu ] Como você avalia a atuação do BC na era Meirelles? O que esperar do novo presidente Alexandre Tombini?
[ Nassif ] O [Henrique] Meirelles é um fanfarrão. Antes de assumir o Banco Central, em algumas palestras nos Estados Unidos, ele comentava sobre a importância do câmbio para garantir o crescimento. Depois, assumiu a presidência e uma posição de dificultar a redução dos juros. O Tombini é tecnicamente muito mais sólido. Como é seguro tecnicamente, ele se dá ao direito de ser mais flexível no sentido de não tratar dogmaticamente a política monetária. Temos que mudá-la em muitas coisas. Se deixar como está, hoje, a existência de metas de inflação e só juros para segurar eventuais descontroles, em qualquer hipótese, não tem contas públicas que resistam. Há outras ferramentas que podem ser utilizadas sem concentrar renda.
Querem manter os juros elevados com a justificativa de alta da inflação provocada, principalmente, pelos alimentos. Alimento não tem nada a ver com demanda ou excesso de demanda, que é onde a política monetária atua. Mas, há todo um coro neste sentido, para que eles possam aumentar os juros. Temos que mudar o sistema de metas de inflação e, principalmente, tem que aumentar o escopo, o número das pessoas que definem a política monetária. Não podemos concentrar isso só em dois diretores do Banco Central, como é hoje, porque isso é uma loucura.
Em dezembro de 2008, eles falavam de economia sólida. Quando se tem grandes inflexões na vida econômica do Brasil, os indicadores só aparecem dois, três, quatro meses depois. Então, o negócio estava desmanchando aqui e eles diziam “não, o mercado ainda tem confiança”. Mas os dados (que posicionavam o mercado) eram de dois meses antes.
Na realidade, essa sensibilidade para entender a economia depende de uma mudança na composição do Comitê de Política Monetária, o COPOM. É preciso ter como nos Estados Unidos, análises regionais. E incorporar industriais, sindicatos, supermercados e economistas de outras linhas também. Não para ter um embate teórico, mas visões diferentes sobre uma mesma realidade econômica. Fora isso, o Banco Central tem que recuperar instrumentos tradicionais de política monetária. Hoje é tudo jogado nas costas dos juros.
Se tem excesso de demanda, como eu posso reduzí-la? Aumentar o compulsório é uma maneira. Reduzir prazos de financiamento, outra. Usar o IOF uma terceira. Então, você não carrega nos juros. Mas como estes criaram toda uma legião de beneficiados, nós temos todo o carnaval de analistas, que conhecemos bem, fazendo o mesmo discurso: para que joguem tudo nos juros.
Banco Central: só é penalizado se errar por baixo
[ Dirceu ] Daí que o nosso Banco Central, ao contrário do que acontece nos EUA, não tem metas para emprego, para que nossa política econômica gere determinado número de empregos/ano, por exemplo.
[ Nassif ] Não tem. Com isso, acontece um negócio maluco. Se você estabelece uma meta inflacionária e erra os juros por cima, não é penalizado. Só é penalizado se errar por baixo. É o mesmo que pegar, digamos, o exemplo de um médico. Uma criança tem uma infecção e se esta não ceder, o médico é culpado. Mas, se ela ceder o médico é inocente mesmo que tenha aplicado excesso de antibióticos que irá afetar outros órgãos da criança. É isso o que acontece. Você não tem penalização para erros por cima dos juros. Com isso, neste ano, o BC saiu do controle do Meirelles. O Tombini passou a atuar mais depois que reconheceu esses erros. Inclusive, no começo do ano, quando tinha uma inflação de (preços dos) alimentos. A inflação era nitidamente decorrente da alta dos alimentos, mas todo mundo pressionava o BC querendo aumentar juros. Isso para chegar em março e ter deflação.
Então, não adianta pegar um presidente do Banco Central com maior preparo, tem que mudar o sistema de apuração de dados. Mas, a internet fará essa mudança. Qual o modelo hoje de mapeamento de juros altos? Você tem lá alguns economistas de mercado que repetem os mesmos modelos. Pega o (ex-ministro da Fazenda) Mailson da Nóbrega que, em termos teóricos, repete o mesmo bordão. O Estadão, que tem a melhor cobertura dos jornalões na parte de economia, mostra dados dogmáticos. Por que ele mostra todo um processo de desindustrialização? Porque no final, ele tem que pagar o lobby para o mercado. Colocam o Eduardo Gianetti da Fonseca que não é macroeconomista, e o Mailson para dizer que o responsável são os gastos públicos. É uma maluquice. Ouçam o Roberto Gianetti da Fonseca que conhece lei industrial.
Há economistas que repetem esses bordões, fazem um carnaval e são eles que vão para os jornalões. O mercado, mesmo não acreditando, endossa o que é dito, porque o negócio do mercado não é acertar a inflação, mas o que o BC está pensando sobre ela. Então, caímos num modelo viciado. Não adianta aprimorar este modelo. Ele, em si, é furado.
[ Dirceu ] No Brasil nunca se aplaude a redução de juros.
[ Nassif ] Nunca. É uma coisa maluca. Em 1995, os juros foram para 45% ao ano porque o Brasil estava com as contas desequilibradas. Entra o Gustavo Loyola falando o seguinte: “nós precisamos descer gradativamente, porque se precisar subir, fica parecendo recuo”. Mas que gradativamente? Não existe isso! Você tem uma crise, joga os juros lá pra cima; acaba a crise, precisa baixar.
Ele falava de um jeito que parecia que tinha ciência atrás desta informação. E, pior, ele passava à opinião pública aquela ideia. Como nós fizemos magia com vários planos econômicos que não deram certo, ele passava para a opinião pública que uma “redução gradativa” significava caminhar lenta e firmemente em direção ao futuro. O que era uma bobagem. Na verdade, significou caminhar “lenta e firmemente” em direção à maior dívida pública da história - a maior. Vejam, os [governos] militares tinham uma dívida pública, mas tinham também ativos, das indústrias que foram criadas, das ferrovias. Então, [depois deles] se pegarmos em termos líquidos, criou-se esta dívida, mas sem contrapartida de ativos. Pelo contrário, reduziam os ativos, vendiam estatais e tudo, para pagar esses juros.
[ Dirceu ] Dobraram a dívida interna ao invés de reduzi-la em US$ 100 bi. Venderam US$ 100 bi (em estatais) e essa venda pagou juros. O Gustavo Franco [na presidência do Banco Central do 1º governo FHC] pagou 27,5% de juros reais durante três anos sobre a dívida pública.
[ Nassif ] Um absurdo.
Em 2002, no ano da eleição do Lula, eu publiquei um artigo descendo o pau nos juros. O Mailson [da Nóbrega], em um artigo, na realidade baseado em trabalho da Secretaria do Tesouro, dizia que a maior razão do aumento da dívida interna foi a incorporação das dívidas dos Estados. No artigo, ele desafiava: agora quero ver criticarem a Secretaria do Tesouro! Vocês sabem o que a Secretaria do Tesouro fez naquela época? Pegou a dívida dos Estados, mas antes de incorporá-las não considerou o aumento que esse endividamento havia sofrido em decorrência dos juros do Banco Central.
O caso de São Paulo era muito interessante. São Paulo devia R$ 50 bi para a União. Começou a negociar, mas um tempo depois de começar, na data de corte (fechamento da negociação) a dívida estava em R$ 100 bi – R$ 50 bi eram juros do BC. Como demorou mais, não sei quanto tempo para fechar a negociação, fechou-a em R$ 150 bi. Aí, eles consideraram e foram incluídos R$ 100 bi como dívida estadual, e não como resultado dos juros, quando eram decorrentes de juros. E, mais, pegaram R$ 150 bi e todos os juros que incidiram sobre essa dívida para dizer que se tratava de dívida de Estado e não [decorrente de] uma política do Banco Central.
Quando li aquilo, liguei para a Secretaria de Tesouro para ver quem fez o trabalho. Demorei três dias tentando encontrar o cara (responsável) pelo trabalho. Quando encontrei ele reconheceu: “é, nós discutimos aqui, achamos que poderia dar margem para dúvidas...” Eu respondi: “que margem para dúvidas? Vocês manipularam, está errado!” As dívidas dos Estados eram sempre a dívida dos títulos da União, mas com juros muito altos. E todos os Estados estavam com dívidas. Com isso, a União chegou a cobrar 45% em certo período - nos Estados chegou a 60% ao ano. Uma loucura. Esse foi o maior crime de política econômica já cometido. Tanto que amarrou o Brasil por quantos anos? E está aí ainda.
[ Dirceu ] Estamos pagando 10,75%. É uma pancada. Somados dão mais do que o orçamento da Educação.
[ Nassif ] Agora, foram deduzindo os juros, mas a base estava lá em cima. Ainda hoje dizem: "se não fossem os juros, não teríamos segurado a inflação”. Mentira! Eu fiz um trabalho por baixo em março/abril de 1995 em que dizia que aquela inflação já era fato passado e nós precisávamos cuidar do desenvolvimento. A manutenção de juros até 1999 foi exclusivamente para consolidar um modelo político que o Fernando Henrique implantou com o Gustavo Franco. Um modelo que criou e fez uma brutal transferência de renda para que novos grupos conduzissem a reformulação da economia. Quando você pega Ignácio Rangel [economista, considerado um dos maiores analistas do processo econômico brasileiro] vê que todos esses períodos de inflação, essa jogada de mercado, permitem enriquecimento de um pessoal mais ativo que leva a um salto na economia. A ideia desses mandraques, na realidade, era política: criar grandes grupos para consolidar o poder independente do Estado. Com isso, eles jogaram o projeto deles fora – não foram mais eleitos - mas atrasaram o país durante anos.
[ Dirceu ] A respeito da crise européia, quais lições podermos tirar das medidas de socorro? O que o Brasil deve evitar neste caminho da Europa?
[ Nassif ] Um ponto em que o BC atuou quase bem – mas não foi bem de tudo – foi na regulação bancária para impedir grandes loucuras. Apesar dele próprio ter praticado uma loucura, que quase leva essas medidas abaixo, que foi permitir aquele swap reverso, aquelas operações especulativas bancadas por ele. Quando você começa a jogar o câmbio para baixo. Quem ganha? Quem tem voz política. As grandes empresas exportadoras. Para abafar essa voz política, eles criaram o swap reverso. Quando o câmbio caia ps exportadores perdiam na operação principal e ganhavam na operação financeira. Isso é loucura. Os jornais enchem o saco quando falam do subsídio, mas quando reverte o câmbio você tem toda essa quebradeira.
Fora esse pecado, o BC atuou muito em termos de regulação para impedir grandes loucuras. Agora, quando se pega o próprio FMI e aquele apoio dado em 1998 ao Brasil, você tem um jogo especulativo de grandes ganhos por parte dos grandes investidores. Esses ganhos embutem uma parte de risco e quanto maior o ganho, maior o risco. A questão é que estas operações quando entram para valer reduzem o risco e a perda dos grandes investidores, além de jogar a conta no ajuste fiscal - este pega a população de calça curta. Isso é complicado.
Quando você pega o mercado, eles dizem que a política é o que amarra o país. É o contrário, a política é um instrumento mobilizador. E ela que irá estabelecer, daqui para frente, os limites à ação deletéria dos mercados. No fundo, o próprio Fernando Henrique acabou perdendo o poder ao achar que ia montar uma estrutura em que o mercado ganhava e a população perdia.
Na Europa, o que estamos vendo é uma gambiarra. Terão que fazer a penalização dos credores, como fez a Argentina.
[ Dirceu ] Não está havendo nenhuma penalização, pelo contrário. Para salvar os bancos europeus, a Alemanha, como tinha condições, resolveu os problemas. Já tinha pactuado o modelo de baixar a participação do trabalho na renda nacional, aumentar a produtividade e não o salário, e diminuir o custo de programas sociais. Agora, eles farão o corte e, nestes países, será dos benefícios sociais. Depois o imposto aumenta para todo mundo e não só para os mais ricos. Todo mundo paga.
[ Nassif ] Vamos pegar os EUA. Não o da crise, agora, mas o modelo norte-americano das últimas décadas. Houve a entrada de uma nova indústria, uma nova economia - de serviços, informática etc.
O que aconteceu é que eles pegaram todos os setores atrasados, terceirizaram a mão-de-obra de obra, abrindo espaço para que as empresas pudessem ir para outros países. O modelo é interessante porque ficaram só com os grandes empregos. Mas quando chegaram no final do processo, aquele modelo não garantiu a empregabilidade. Sem garanti-la não existe mais mercado interno. Então, os países que ficaram com as indústrias de “menor qualidade” foram aqueles onde se formou o mercado interno. São eles os grandes vencedores da crise.
O modelo americano que levou os EUA a se tornarem o que foram, no final das contas, foi um modelo que privilegiou o mercado interno, a incorporação de novas marcas e que permitiu a criação de uma sociedade de consumo lá no século XIX e transformou o país na maior potência no mundo.
Outro ponto: a Organização para o Comércio e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) está querendo mudar os critérios da contabilidade de dívidas no Brasil. Diz que é para ser mais transparente. Mas eles não têm transparência nenhuma. Europeu querer ensinar a gente a ser transparente em termos fiscais, como quer a OCDE, é piada... O José Roberto Afonso, o pai da lei de reforma fiscal, foi para a Alemanha, há dez anos, para ver como era a contabilidade de estados e municípios lá. Voltou espantado. Nós damos de 10 a 0 em termos de transparência. No Brasil, a questão da responsabilidade fiscal sempre foi um calcanhar de Aquiles, obrigou-nos a um esforço de transparência fiscal que hoje é mais rigorosa do que em muitos outros países.
O PROER [programa de socorro a bancos do governo FHC] foi importante em si, mas aquela crise bancária que ele ajudou a passar, foi fruto da política monetária do 2º semestre de 1994. De qualquer modo, todas as crises bancárias obrigaram o Brasil a ter um sistema bancário rígido, no qual, quando estoura a crise, tem conseqüências.
[ Dirceu ] Mudando de assunto, o que aconteceu com a grande imprensa brasileira? O que a levou a tomar esse rumo e a tornar-se um verdadeiro partido político?
[ Nassif ] Quando você pensa em termos globais, a internet cria uma extraordinária zona de segurança para a mídia. Quem são os grupos que terão audiência? Os grandes grupos midiáticos, obviamente, e também toda uma constelação de blogs, de sites que produzirão conteúdo. Quando a velha mídia percebeu que ia entrar grandes players neste mercado, grupos de telefonia, entretenimento, tudo...
No Brasil, a imprensa é auxiliar de partido político. Na realidade, na América Latina, com a redemocratização, a imprensa se transformou no ator político mais relevante dos últimos 20 anos. Derrubava presidentes, senadores, demonizava pessoas – você é o exemplo vivo disso; o Sérgio Motta [ministro de Comunicação de FHC], o exemplo morto.
Ao longo da história do Brasil, a imprensa se comportou da mesma maneira que setores políticos. Nosso país já está em uma nova conjuntura, mas ainda preserva o poder político da etapa anterior. Então, eles (os jornalões) tentam transformar o poder político em um diferencial para impedir a competição.
Em 2005, especificamente, eles acharam que poderiam voltar aos tempos de glória do impeachment [Fernando Collor de Melo] derrubando o presidente Lula. Montaram um pacto em torno do Fernando Henrique e do Serra. E achavam que poderiam eleger o Serra ou um outro presidente que através de medidas de regulamentação [da mídia] os ajudassem a fazer a travessia para o novo modelo.
Também tentaram repetir o próprio impeachment que deu certo em 1992. Qual era o modelo? Criar um escândalo por dia. Como não têm capacidade de criar um escândalo consistente, transformam algo banal em um escândalo ou inventam um. Com o tempo, esperavam uma eclosão dos caras-pintadas - estes iriam para a rua derrubar o governo. A ideia foi essa. Mas, não tiveram pique para derrubar o Lula em 2005, e em 2006 o Lula já começou a recuperar a popularidade. Com isso, perderam o rumo.
Nós tivemos uma grande sorte porque o pessoal que conduziu essa operação, talvez, seja a mais medíocre geração de diretores de redação desde que eu entrei no jornalismo. A sorte é que era um bando de amadores deslumbrados, que começaram a mostrar sua vulnerabilidade quando ficaram no poder nas redações. Começaram a querer virar intelectuais, montaram esquemas com editoras para vender livros. O Ali Kamel escreveu um livro que consideraram “um dos dez livros mais importantes da década”. Total perda do senso de ridículo.
O Diogo Mainardi e o Reinaldo Azevedo foram colocados para atuar como franco atiradores. Você os coloca ali, levanta a bola deles... E o que vimos foram coisas fantásticas. Houve até um que foi considerado o novo Carlos Lacerda. Outro escreveu que o livro do Reinaldo deveria ser adotado pelas cadeiras de ética de todas as faculdades. Na realidade, não entenderam que o Brasil é maior. Acharam que depois dos ataques desqualificadores iam intimidar a todos. Mas meia dúzia de malucos resolveram enfrentar a fera e a internet serviu para isso também.
[ Dirceu ] Concorrência neles!
[ Nassif ] É isso mesmo, porque o medo deles não é da CONFECOM (1ª Conferência Nacional de Comunicação), mas das empresas de telefonia. Se você tirar três pernas distorcidas e ilegais que sustentam esse modelo, ele desaba: a estrutura de veiculação publicitária; a manipulação de tiragem e de audiência; e a publicidade legal, os balanços de empresas.
A primeira perna: a estrutura de veiculação publicitária. Da forma como é feita, de contratos com agências de publicidade, é crime de direito econômico, porque são os próprios veículos que remuneram as agências através dos bônus de veiculação. Hoje, quem faz essa distribuição de verbas por agências de publicidade, os diretores de marketing, fazem parte de uma estrutura de poder. Isso é uma excrescência.
Segundo ponto: manipulação de tiragem e de audiência. O Instituto Verificador de Circulação (IVC) tem um jeito de apurar a circulação dos jornais que permite manipulação. A VEJA diz que tem 1 milhão e cem mil exemplares. Não tem. Ela tem 870 mil exemplares...
[ Dirceu ] A margem de erro de audiência de televisão é altíssimo também.
[ Nassif ] Você pega o Estadão. Dois ou três anos atrás, o Estadão teve uma queda de tiragem de 25%. No mesmo período, a Folha teve de 6% e O Globo de 5%. Qual a diferença entre os três? O Estadão estava precisando limpar o cadastro, limpou e ficou 25% a menos.
Uma vez, eu fui numa associação empresarial. Eles tinham uma revista que, segundo o IVC, vendia 50 mil exemplares por edição. Entra a nova direção, foram apurar e a revista vendia dois mil. O que eles faziam? O IVC tem como método de contagem contabilizar o que sai da gráfica e o que volta. Distribuiam 2 mil, alugavam galpões e jogavam 48 mil lá. A VEJA é impossível você esconder. O que eles fazem? Dão, doam. Distribuem. Isso traz a tiragem da VEJA para o real.
E o terceiro ponto das três pernas de que falei acima é a publicidade legal. Os balanços de empresa. Não tem a mínima lógica. Se sou uma empresa de capital aberto, eu mando ao acionista o balanço por e-mail ou ele pega o PDF no site. A troco do quê tem que publicar páginas e páginas de publicidade (como balanço oficial) na Folha, no Estadão, no Valor?
São três distorções. Fora as secretarias de Educação sobre as quais eles estão avançado de forma voraz. Já oferecem produtos da Abril para as secretarias de Educação.
[ Dirceu ] Em relação à regulação da imprensa? Qual sua avaliação a respeito do que o governo está construindo? Temos condições no país para fazermos a regulação?
[ Nassif ] Não se trata de regulação de conteúdo, mas do direito de resposta. É um absurdo, nós não temos direito de resposta. Estou há três anos tentando o meu, a minha resposta. Entrei com ação de Direito de Resposta na VEJA. A juíza disse que estava errado porque falava de internet e não de Lei de Imprensa. Não estava errada. Vai para a 2ª instância - mais um ano e meio. Na 2ª, disseram que estava certo. Volta para a mesma juíza da 1ª. Aí ela decidiu não julgar porque acabou a Lei de Imprensa.
Quando se fala em competição, temos que remover essas barreiras que citei. Já na questão do conteúdo, precisa ter o que há em outros países: conteúdo nacional; permitir o avanço da produção; restrições normais em relação à propaganda infantil e à violência. Temos que remover fatores anacrônicos.
Quem compõe o quadro de colunistas é o leitor
[ Dirceu ] Qual o papel das novas mídias, da internet, em relação à democratização? Como você enxerga o futuro nesse sentido? Quais os pontos positivos que devemos avançar em termos da rede?
[ Nassif ] Todo mundo está na mesma plataforma tecnológica. Isso já traz uma mudança monumental ao jogo político. Você tem um determinado número de colunistas no jornal. A Folha, por exemplo, tinha um grupo de jornalistas que compunham um poder político. Então, quando vinha uma manchete, era como se ela tivesse o endosso de toda uma estrutura de colunistas, dando credibilidade àquela matéria. Mesmo se alguns discordassem. Ao ir para a internet, o jogo é outro. Quem compõe o quadro de colunistas é cada leitor. Eu tenho os meus favoritos, eu quero o colunista X da Folha, o W do Estado, o blogueiro tal, o político Y. Então, ao compor o que vai ler, o próprio internauta elimina a manipulação. Essa é uma situação real.
Ninguém quer que os jornais acabem. Eles vão para a internet e sobrevivem. Mas aquele poder de manipulação e de gerar instabilidade política vai para o vinagre. Cada vez que sai uma manchete e uma denúncia pela internet, todo mundo sai correndo atrás de outras opiniões que vão se cruzando nos diversos grupos de discussão. Então, cria-se uma nova realidade. Isso tem o poder fantástico de desconstruir denúncias. Vimos isso durante a campanha, por exemplo, no caso da bolinha de papel [a auto-acusação infundada de José Serra de que fora agredido com uma pancada no Rio]. Eu fui o primeiro a colocar o vídeo do SBT no meu blog.
[ Dirceu ] Foi mortal.
[ Nassif ] Com isso, agora, mesmo que os jornalões tenham audiência, quando você (na internet) rebate um grande jornal, e faz com um argumento técnico, isso se espalha para todos os lados. Esse é um aspecto. Acabou o poder dos jornalões de desestabilizar a política.
Outro aspecto é que todo agente econômico hoje - sindicatos, corporações, uma tribo amazônica - terá que se preparar para a blogosfera. Com isso você quebra o circuito viciado da velha mídia que acaba pressionando o Congresso e a política econômica.
[ Dirceu ] O Congresso do Brasil é tremendamente desprestigiado pela imprensa, se comparado com o parlamento de outros países. Claro que temos um que vota no lugar do outro; o senador Efraim Moraes (DEM-PB), por exemplo, que manipulou todas as licitações e tem dezenas de empregados pagos pelo Senado; gente que emprega família inteira lá etc... Agora, do jeito que o Congresso é apresentado para a sociedade no Brasil, nunca teremos político no país com prestígio.
[ Nassif ] Pega-se a grande disputa política dos anos 90. Tinha-se o Congresso e a mídia dizendo-se representantes da opinião pública. Daí a mídia entender que tinha que manter o outro [Congresso] completamente de joelhos para poder impor suas condições.
Você está na competição imprensa x Congresso. Tem, também, o fato de que com as ONGs, o Congresso foi perdendo cada vez mais a legitimidade. Você chega numa ONG X, o cara tem muito mais autoridade do que o deputado. E com a internet é a mídia quem perde a legitimidade. Essa é a grande mudança.
Agora, o risco que se tem [na internet] é termos uma radicalização política e começarmos a ser bairristas. Quando teve a reunião dos blogueiros (agosto pp.) eu sugeri: “nós temos uma frente aqui em torno de alguns valores, os dois principais, o combate ao monopólio e a defesa da inclusão social e dos valores da civilização que foram atropelados. Agora, nós temos também todo um universo de divergências. O que temos pela frente, quando passar essa guerra aí, é mostrar que podemos divergir civilizadamente".
O universo da blogosfera é o universo das ideias. Então, tentar criar esse ambiente civilizatório em contraposição ao da selvageria é muito interessante. Um momento mágico. Isso está acontecendo no mundo inteiro, mas no Brasil, vem no bojo de mudanças muito mais radicais, com a inclusão de novas classes sociais, regionalização do desenvolvimento, a banda larga...
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