segunda-feira, 19 de abril de 2010

WÁLTER MAIEROVITCH E O VOTO DOS PRESOS


Eleições e presídios

Wálter Maierovitch

No fim de março, quando estava a trabalho em Roma, recebi e-mail de uma ilustre repórter da Folha de S.Paulo. Ela colhia dados sobre a admissibilidade do voto de presos em regime fechado. Na ocasião, a Itália estava às vésperas da sua midterm, ou seja, das eleições administrativas regionais (estaduais), nas quais o sufrágio era facultativo. Com decisivo apoio da Liga Norte (Carroccio), antigos separatistas da Padânia, o premier Silvio Berlusconi “levou”, incluídos os votos de presos provisórios processados criminalmente como ele, os governos do Piemonte (Turim), Lombardia (Milão), Vêneto (Veneza), Lazio (Roma), Campânia (Nápoles) e Calábria (Reggio Calabria).

No Brasil, como em Estados membros da União Europeia, a definitiva pena criminal de privação de liberdade tem a finalidade ética de emenda. Busca-se reeducar para a cidadania. Por outro lado, por inspiração da França e da Itália, consolidaram-se os princípios da presunção de inocência (França) e o da presunção de não culpabilidade (Itália).

Mais ainda: todos os presos sabem, e garante a Corte de Direitos Humanos da União Europeia, que conservam, fundamentalmente, os direitos à vida, à honra, à liberdade de consciência, à alimentação, ao tratamento médico-sanitário, ao trabalho remunerado, à instrução, à individualização da execução penal, ao lazer e visitas, à interlocução reservada com seus advogados. Na Itália, conforme decidiu recentemente a Corte Constitucional, os presos por associação mafiosa ou terrorismo, sujeitos a regime penitenciário especial e previsto no artigo 41 “bis” do Código Penitenciário, têm direito a colóquio reservado com os advogados e a troca de correspondência entre eles não pode ter o sigilo violado em nenhuma hipótese.

Os detidos provisórios dos presídios europeus não perdem o direito político de votar, facultada a abstenção onde o sufrágio não é obrigatório. A nossa Constituição republicana condiciona expressamente a suspensão dos direitos políticos à existência de condenação criminal definitiva e enquanto durarem seus efeitos (art. 15, III) – até a extinção da pena pelo cumprimento ou em face de reconhecidas causas de extinção da punibilidade.

No Brasil, portanto, os privados de liberdade de locomoção em caráter provisório, maiores ou adolescentes, podem votar e os estados, pelos Tribunais Regionais Eleitorais, devem se empenhar para concretizar essa garantia constitucional. Segundo estimativa, no sistema prisional brasileiro teremos, quando das eleições de 2010, cerca de 170 mil presos provisórios e perto de 30 mil adolescentes internados.

Nosso Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que recebeu da sociedade organizada o Manifesto da Cidadania a solicitar urgentes providências para garantir o exercício do voto aos detidos provisórios, editou, depois de audiência pública e a fim de valer para a eleição de 2010, a Resolução nº 23.219. Esta resolução regulamentou o voto dos custodiados provisórios.

Até 2008, apenas 11 dos nossos estados federados garantiram votos aos presos provisórios. Como destacou a juíza Kenarik Boujikian Felippe, “a violação, por omissão do Poder Judiciário, referente ao voto do preso e do adolescente é marca vergonhosa há 22 anos”.

Uma questão ainda resta pendente, embora objeto de discussões nos países europeus que, como o Brasil, suspendem o voto no período em que a condenação produz efeitos. Com base no princípio constitucional da finalidade ética ressocializadora da pena, não se pode considerar aplicável a perda temporária do direito ao voto àqueles que, embora definitivamente condenados, receberam, por mérito, progressões prisionais para regime diverso do fechado e liberdade condicional. Trata-se de medida reintegratória, não vedada pela Constituição, feita uma interpretação lógica e sistemática.

Como acontece no Brasil, não se ignora a existência, nos Estados membros da União Europeia, de superlotação carcerária e, muitas vezes, falta de separação entre presos provisórios e os com condenação definitiva. Mas, nos países europeus, há sempre uma mesa receptora de votos a garantir a regra constitucional da cidadania ativa.

Por aqui, levantam-se vozes a apregoar ser “inviável” a aplicação da feliz resolução do Tribunal Superior Eleitoral, em especial por riscos aos integrantes da seção eleitoral e por conta da coação dos líderes de facções criminosas, que mandam em muitos presídios.

Na verdade, querem sacrificar uma garantia constitucional em face da irresponsabilidade de governos que mantêm a entropia nos presídios, não investem na emenda e não separam os presos provisórios dos demais. Essas desídias governamentais não representam, por evidente, motivo de força maior ou caso fortuito, a impedir o exercício do voto secreto por presos ou por adolescentes internados.

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